Depois de reinar por quase duas décadas no reduto da internet em que notícias são publicadas, comentadas, replicadas e viralizadas, o Twitter, a mais influente entre as redes sociais, foi vendido ao polemista-mor Elon Musk em 2022 e nunca mais foi o mesmo. Musk demitiu funcionários, alterou algoritmos, diminuiu o time de mediação de conteúdo, suspendeu selos de verificação, criou um sistema de assinaturas e, pecado mais recente, limitou o número de acessos diários. A transformação — motivada, segundo o bilionário, para preservar a liberdade de expressão no ambiente digital — não caiu no gosto nem dos usuários, nem dos anunciantes, que foram atrás de alternativas para seus tuítes. Pelo vácuo circularam plataformas como Koo, News Post, Spill e Mastodon, mas nenhuma realmente vingou — até a Meta de Mark Zuckerberg, proprietária do Facebook e do Instagram, dar o bote. Seu Threads, uma cópia quase idêntica do Twitter, ultrapassou 100 milhões de assinaturas em cinco dias, um recorde entre aplicativos recém-lançados.
A avalanche era esperada, visto que o Threads nasceu colado ao Instagram e seus bilhões de perfis, mas não são só os números que movem esse tipo de rede social. O próprio Twitter, com sua média de 400 milhões de usuários ativos, passa longe da popularidade de Facebook, TikTok, Snapchat e afins. Seu atrativo está acima de tudo na sensação do usuário — enganadora, na maioria das vezes — de botar a boca no trombone virtual e interagir quase instantaneamente com figuras como o ex-presidente Barack Obama, o perfil mais popular da plataforma, com 130 milhões de seguidores. Mastodon e Bluesky, duas das alternativas mais citadas quando o Twitter caiu em desgraça, chegaram a causar certo burburinho, com sua estrutura descentralizada e de código aberto, mas nada que se compare ao estrondo imediato do lançamento do Threads, imbatível por seu fácil acesso (basta estar no Instagram para ter registro imediato) e, bem, por ser um Twitter. “Todo mundo quer um novo espaço público onde possa simplesmente seguir perfis e acompanhar eventos mundiais”, explica Bernie Hogan, pesquisador de redes sociais da Universidade de Oxford.
EMBATE DE EGOS - Rivais: Zuckerberg (acima) lança desafio a Musk (abaixo) (Drew Angerer/Getty Images; Nathan Laine/Bloomberg/Getty Images).
Apresentada em outubro de 2016, a Mastodon teve um pico de popularidade por ocasião do primeiro êxodo de usuários do Twitter, logo após a entrada de Musk. Já a Bluesky foi concebida ainda dentro do Twitter, quando seu criador, Jack Dorsey, era o CEO da empresa, e segue na fase de testes para um grupo restrito de pessoas. Pouca gente, no entanto, que tenha alguma chance de causar maior impacto agora que o Threads tomou conta do pedaço. Seu sucesso repete o conhecido modus operandi de Zuckerberg: copiar receitas que estão funcionando, incorporá-las a seus gigantescos tentáculos digitais e obliterar os adversários. Aconteceu exatamente isso com os stories e os reels, réplicas de funcionalidades originais do Snapchat e do TikTok que hoje fazem sucesso no Instagram.
Com o Threads não é diferente: trata-se de uma cópia do original beneficiada pela maior base de usuários do mundo. “Foi genial. Em quinze segundos eu estava com a minha conta criada, seguindo todos os meus amigos do Instagram”, entusiasma-se Cris Dias, ex-funcionário do Facebook e primeiro usuário do Twitter no Brasil. Como nem todas as apostas de Zuckerberg dão certo, os especialistas esperam para ver se o Threads vai cumprir o que promete. “Ainda é muito cedo para dizer o que ocorrerá. O teste está acontecendo e não é fácil ganhar do Twitter em termos de experiência de uso”, afirma Benjamin Rosenthal, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) especializado em redes sociais. Apesar das trapalhadas de Musk, sua rede conta com uma base consolidada e estável.
Para se impor como o próximo Twitter, o Threads terá ainda que superar a mágoa dos tuiteiros de raiz. “Tentamos unir todas as pessoas em um único lugar para conversar pacificamente e vimos que não funciona”, dispara Cris Dias, que já não é mais usuário ativo na rede do pássaro azul. O pesquisador Hogan também vê efeito prolongado nas mudanças impopulares promovidas por Musk. “As coisas continuarão piorando até que se firme uma alternativa mais focada no público do que na plataforma”, diz. Enquanto isso, o embate dos gigantes digitais Musk e Zuckerberg (que inclusive prometem chegar às vias de fato no ringue) segue firme nos trending topics.
Créditos: VEJA.