Rastro de mortes tirou de cena personagens importantes citados nos inquéritos. Relatório da Polícia Federal chegou a apontar como um “golpe” para as investigações
Nos cinco anos e quatro meses que se passaram desde o assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, um rastro de mortes tirou de cena personagens importantes citados nos inquéritos. Apontado na delação do ex-PM Élcio de Queiroz como intermediário da contratação de Ronie Lessa para a execução do crime, o sargento reformado da PM Edimilson da Silva de Oliveira, o Macalé, foi morto a tiros em 6 de novembro de 2021, o que um relatório sigiloso da Polícia Federal chegou a apontar como um “golpe” para as investigações. Mas ele não foi o único. Ao menos outras quatro peças-chaves morreram desde aquele 14 de março de 2018, entre elas o ex-policial Adriano da Nóbrega, acusado de chefiar o Escritório do Crime, que teria sido o primeiro a ser procurado para matar Marielle — e recusado o serviço.
Provas perdidas
No documento da PF em que se ressaltam as repercussões da morte de Macalé, por exemplo, é apontada uma “notória dificuldade” imposta pelo lapso temporal entre o crime e a fase atual das investigações. “Parte significativa das provas e evidências deixadas por seus autores, seja mandante, seja executor, pereceu com o tempo”, afirma o texto. “Outro golpe que a intempestividade impôs à persecussão (sic) penal”, continua o relatório, foi a morte de Macalé. Os prejuízos seriam tanto no que se refere “à garantia da execução da lei quanto à colheita de novas evidências”.
Testemunhas contaram que o sargento reformado, suspeito também de ligações com a contravenção e de ser braço armado do bicheiro Bernardo Bello, caminhava em direção a sua BMW pela Avenida Santa Cruz, em Bangu, na Zona Oeste do Rio, quando foi abordado por homens armados em um veículo. A cena também foi registrada por câmera de segurança. Nem seus documentos, nem a pistola calibre 45 que portava foram roubados. Ele foi atingido por vários disparos e morreu no local, cerca de dois anos e meio após o assassinato da vereadora e de seu motorista. Segundo a delação de Queiroz, Macalé, Lessa e o ex-sargento do Corpo de Bombeiros Maxwell Simões Correa, o Suel, vigiavam os passos de Marielle desde os últimos meses de 2017.
A Polícia Civil informa que um inquérito sobre a execução de Macalé — que em parte dos documentos é identificado como Edmilson Oliveira da Silva — foi aberto e ficou 14 meses com o Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público, quando seu nome ainda não aparecia relacionado à morte de Marielle. Em nota, a corporação afirma ter enviado ao MP um pedido de quebra de sigilos um mês após o assassinato. Mas o inquérito só foi devolvido em fevereiro de 2023. Uma nova representação com o pedido foi feita à Justiça e está em fase de análise.
Milícia no alvo
Se o nome de Macalé só apareceu agora, o de Adriano da Nóbrega — morto em 9 de fevereiro de 2020 — surgiu logo que as execuções começaram a ser apuradas. Em 2018, o ex-capitão do Bope foi chamado pela Delegacia de Homicídios (DH) da Capital a prestar depoimento, no qual negou participação no crime. Na ocasião, disse não conhecer pessoalmente as vítimas e que tomou conhecimento dos fatos pela imprensa. A linha de investigação que o indicava como suspeito não evoluiu.
Mais tarde, no primeiro semestre de 2021, seria descoberto pela Força-Tarefa Marielle e Anderson, do MPRJ, que Adriano teria se negado a realizar o crime, antes que Lessa tivesse sido procurado para, supostamente, perpetrá-lo. As investigações sobre o duplo homicídio, no entanto, tinham sido o fio da meada para a Operação Intocáveis, do MPRJ com a Polícia Civil, que atingiria a cúpula da mais antiga milícia do Rio, da qual Adriano era acusado de fazer parte. Apontado como chefe do bando de pistoleiros do Escritório do Crime, ele ficou foragido por cerca de um ano, até ser localizado em um sítio no interior baiano, onde foi morto em uma troca de tiros com policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Bahia, com apoio da inteligência da Polícia Civil fluminense.
Logo após sua morte, a viúva de Marielle, a atual vereadora Monica Benicio, chegou a afirmar que ele era uma “figura chave para a elucidação de diversos crimes no Rio”.
Considerado braço direito de Adriano, o segundo-sargento Luiz Carlos Felipe Martins, o Orelha, também foi morto a tiros, em 20 de março de 2021. Homens que estavam num carro dispararam contra o PM em uma rua de Realengo, Zona Oeste carioca. Ele estava de folga.
Os assassinatos não pararam por aí. Hélio de Paulo Ferreira, o Senhor das Armas, foi assassinado em 28 de fevereiro deste ano, na Rua Araticum, área disputada por milicianos e traficantes que ficou conhecida como a rua da morte, no Anil, também na Zona Oeste. Ele foi outro que chegou a ser investigado no inquérito Marielle e Anderson.
A primeira morte de um dos suspeitos de ligação com o caso, porém, ocorreu menos de um mês depois dos assassinatos. Segundo a polícia, em 3 de abril de 2018, Lucas do Prado Nascimento da Silva, conhecido como Todynho, sofreu uma emboscada na Avenida Brasil, na altura de Bangu, possivelmente como uma queima de arquivo. Todynho era suspeito de ter participado da clonagem do Cobalt prata usado na execução de Marielle e Anderson. Ele teria atuado na confecção dos documentos falsos do veículo, segundo relatório de inquérito assinado pelo titular da DHC na época, Giniton Lages, concluindo a primeira fase de investigações com a prisão de Lessa e Queiroz.