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Uma pesquisa sueca mostrou como a semaglutida, princípio ativo de remédios como Ozempic, antidiabético também utilizado de forma off label para tratar obesidade, pode reduzir pela metade a vontade de consumir bebidas alcoólicas. O trabalho confirma o efeito já relatado por usuários de medicamentos à base da substância.
O estudo com ratos indicou ainda que o fármaco atua igualmente em indivíduos machos e fêmeas e funciona mesmo em doses baixas.
A investigação sugere que o mecanismo metabólico da dopamina (hormônio do bem-estar) é alterado pela presença da semaglutida no corpo, causando uma redução no sistema de recompensa ao ingerir álcool, assim como ocorre com a comida. A próxima etapa do trabalho já está em curso e deve avaliar os efeitos da semaglutida em outras dependências químicas, começando pela de cocaína.
Segundo as autoras, que conversaram por e-mail com a Folha, a medicação tem maior potência e afinidade com os receptores de GLP-1, hormônio que a substância imita de forma sintética.
“Ficamos felizes que a resposta foi semelhante em ratos machos e fêmeas e que doses muito baixas puderam ser usadas. Os mecanismos pelos quais a semaglutida atua também nos surpreenderam”, indica a pesquisadora Elisabet Jerlhag Holm.
Cajsa Aranäs pontua que o resultado de que o fármaco atenuaria a capacidade do cérebro de aumentar a liberação de dopamina em seu centro de motivação, prazer e aprendizado era esperado. “O que não esperávamos era ver que a semaglutida parecia alterar o metabolismo da dopamina”, afirma.
Aranäs reforça que os resultados encontrados ainda precisam passar por mais testes, inclusive em fase clínica (com humanos), para serem confirmados. O artigo foi publicado na revista eBiomedicine este mês.
No trabalho, os ratos tratados reduziram a ingestão de álcool pela metade em comparação com os animais que não receberam a semaglutida. A equipe é do Departamento de Farmacologia do Instituto de Neurociência e Fisiologia da Universidade de Gotemburgo, na Suécia.
“Mostramos que a semaglutida se liga a uma área do cérebro que é central para a recompensa, o núcleo accumbens, e aumenta o metabolismo da dopamina quando o álcool está no corpo”, destaca Jerlhag.
O estudo recém-publicado não compara o efeito do análogo de GLP-1 com o de outros medicamentos para dependência. “No entanto, o efeito da semagltuida é muito profundo. E se deve pensar que a dependência alcoólica é um distúrbio heterogêneo. É preciso um grande número de medicamentos para a terapia de um transtorno tão complexo”, diz Jerlhag.
No caso do álcool, o tratamento consiste na combinação de vários métodos psicossociais e medicações, mas há apenas quatro remédios autorizados disponíveis no Brasil.
A metodologia deve ser levada para fase de estudos clínicos e, em outra ponta, as iniciaram testes com outras drogas viciantes.
“Temos um estudo com semaglutida e cocaína em andamento, mas também semaglutida junto com outros tratamentos farmacológicos que podem melhorar ainda mais o efeito sobre a ingestão de álcool “, pontua Aranäs.
AMERICANOS TAMBÉM EXPLORAM POTENCIAL TERAPÊUTICO DA SEMAGLUTIDA
Pesquisadores dos NIH (institutos nacionais de saúde dos EUA) publicaram em maio, no periódico internacional JCI Insigths, outro estudo sobre o potencial terapêutico da semaglutida. O artigo debate o papel do GLP-1 e de seus sintéticos na emoção e humor dos pacientes que têm comportamentos compulsivos.
O trabalho também sugere que a semaglutida pode reduzir o consumo de álcool, além de modular a neurotransmissão central.
Segundo o material, as evidências do efeito da semaglutida na neurobiologia de comportamentos compulsivo e vícios é crescente e indicam que análogos de GLP-1 podem ser usados para o tratamento da dependência de álcool.