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A Justiça da Nicarágua se recusou a colaborar com o Brasil na investigação do caso da morte de Raynéia Gabrielle Lima, brasileira assassinada a tiros em Manágua, capital do país, em 2018, em meio à onda de protestos violentamente reprimidos pelo regime do ditador Daniel Ortega.
Em março, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou à Justiça nicaraguense acesso integral dos autos investigativos e judiciais do crime. A negativa do país veio em 22 de maio, sob o argumento de que se trata de um “crime político anistiado”, conforme documento em poder da Procuradoria. A informação foi antecipada nesta sexta-feira pela Folha de S. Paulo e confirmada pelo GLOBO.
Ainda segundo o ofício, assinado pelo procurador Luiz Antonio Amorim, se as autoridades da Nicarágua não se manifestarem novamente sobre a possibilidade de cooperação internacional em até 90 dias, o caso de Raynéia será remetido ao arquivo interno.
A jovem de 31 anos estudava medicina na Nicarágua e foi morta dentro de seu carro em um bairro nobre de Manágua, enquanto voltava do Hospital Militar, onde trabalhava em 27 de julho de 2018. Ela foi atingida por tiros no coração, diafragma e parte do fígado. Uma área nas proximidades de onde ela foi morta era palco de um confronto entre manifestantes e forças de segurança — também havia paramilitares, que auxiliavam a ditadura na repressão.
O assassino confesso da jovem brasileira, Pierson Adán Gutiérrez Solís, foi condenado a 15 anos de prisão, preso e posteriormente anistiado — em condições, segundo ONGs de defesa dos direitos humanos, irregulares. A lei de anistia, aprovada pelo Legislativo, alinhado ao ditador Ortega, tornou impunes os responsáveis pela repressão no ano de 2018.
O caso de Raynéia continua sendo investigado no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Segundo o órgão, pelo menos 355 pessoas morreram vítimas da repressão do regime de Ortega entre abril de 2018 e julho de 2019.
‘Quero me encontrar com Lula’
Mãe da jovem assassinada, Maria José da Costa, de 60 anos, enviou uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em março na qual acusa o governo de Daniel Ortega de ter acobertado o verdadeiro responsável pela morte de sua filha.
“Quando Vossa Excelência se candidatou ao cargo de presidente, renasceu em mim a esperança de um coração sofrido de uma mãe que vê no senhor presidente a ajuda necessária de que preciso para que o caso de minha filha seja resolvido, e os culpados punidos devidamente”, diz a carta.
Maria José vive na cidade pernambucana de Caruaru e ainda aguarda uma resposta de Lula.
“Desde o fato consumado venho pedindo justiça sem obter êxito, pois o presidente em exercício (Ortega)escondeu todas as evidências que poderiam provar o verdadeiro assassino, que foi um militar”, afirma.
Ao GLOBO, Maria José acrescentou que, desde o assassinato, luta para, em suas palavras, “saber a verdade sobre um assassinato que a ditadura de Ortega pretende acobertar”.
A única expectativa que resta a ela agora é a de conseguir um encontro com Lula, e de que ele fale diretamente com o chefe de Estado da Nicarágua, Daniel Ortega.
— Minha filha era brasileira, e cabe ao Brasil me ajudar. Agora o que mais quero é me encontrar com Lula, que já esteve duas vezes em meu estado, Pernambuco, mas seus assessores não viabilizaram uma conversa entre nós — diz Maria José, angustiada.
Segundo a mãe de Raynéia, “está claro que a Nicarágua não quer colaborar, e somente o presidente poderá resolver isso”.
— O suposto assassino de minha filha, que trabalha para o Estado na Nicarágua, não ficou nem uma semana preso. Onde estão os direitos humanos? Não podemos ficar calados — frisa Maria José.
Ela tem poucas esperanças sobre o caso de sua filha, enfatiza, pelas notícias que recebe do país onde Raynéia decidiu morar e estudar medicina. As informações sobre expulsões de padres e perseguição a opositores, inclusive representantes da Igreja Católica, causam estupor em Maria José, que pretende continuar lutando para saber o que aconteceu com sua filha até seu último dia de vida.
— Quero explicar a Lula o que sei, que o presidente entenda a situação e possa, com as informações verdadeiras, tentar me ajudar — afirma a mãe da brasileira, que conta com o apoio de ONGs locais e nicaraguenses que estão residindo no Brasil.
Créditos: O Globo.