foto: Gustavo Oliveira
“Esse começo de governo é uma sequência de iniciativas e ideias que vão na contramão do que o Brasil precisa”, diz Persio Arida sobre Lula
O economista Persio Arida, ex-presidente do Banco Central (BC) e considerado um dos “pais” do Plano Real, afirmou que os primeiros meses do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Palácio do Planalto são preocupantes.
No ano passado, Arida e um grupo de economistas que participaram dos governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB (1995-2002) declararam apoio à candidatura de Lula contra Jair Bolsonaro (PL), que tentava a reeleição.
Além de comandar o BC (em 1995, no primeiro ano de mandato de FHC), Arida foi presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de 1993 a 1995, no governo de Itamar Franco.
“Do ponto de vista econômico, a evolução dos primeiros meses é muito preocupante. Não muda em nada a minha avaliação sobre o apoio que dei ao presidente Lula, porque foi um apoio pensando na democracia, nos direitos humanos, na agenda ambiental, muito mais do que na economia”, afirmou o economista, em entrevista ao Valor Econômico.
“Mas esse começo de governo é uma sequência de iniciativas e ideias que vão na contramão do que o Brasil precisa: a revisão do marco do saneamento, a revisão dos critérios de voto da Eletrobras, os ataques ao Banco Central, os questionamentos sobre a lei das estatais, a volta de subsídios no BNDES, ideias como criar uma indústria de semiprocessadores no Brasil ou restaurar a indústria naval, o subsídio ao carro popular, retrocessos na agenda ambiental.”
Apesar das críticas, Arida ressaltou que se passaram apenas cinco meses de governo. “Inícios de governo são sempre confusos, eu vivi isso de perto no governo Fernando Henrique. A ver como vai se desenvolver para frente. Não é que eu esteja radicalmente pessimista, ainda tem tempo para corrigir a rota e colocar o Brasil numa situação de crescimento elevado”, disse.
Marco fiscal
Em relação ao projeto do novo marco fiscal, aprovado pela Câmara dos Deputados e que precisa ser analisado pelo Senado, Arida classificou como positiva a tentativa do governo de se comprometer com a responsabilidade fiscal, mas demonstrou preocupação com a flexibilidade para o aumento de gastos.
“É bom ser uma lei complementar. O Brasil precisa desconstitucionalizar aspectos orçamentários porque as necessidades da economia mudam o tempo todo. Também é positiva a sinalização de uma preocupação do PT com a estabilidade da dívida pública a médio prazo, embora seja improvável que seja atingida ao final do governo Lula”, afirmou.
“O que mais me preocupa é o incentivo para aumentar a receita para gastar mais. O Brasil já tem uma carga fiscal muito elevada. Eu preferiria uma regra mais simples e abrangente: a soma de todos os gastos primários, incluindo transferências constitucionais, teria que permanecer constante em termos reais por alguns anos”, disse.
“Foi proposta uma regra complexa. A complexidade, em si, não é problema. A regra orçamentária chilena, que foi criada em 2001, é até mais complexa do que a nossa e produziu ótimos resultados. O problema é que, no nosso caso, a tentação é sempre burlar a regra para aumentar o gasto.”
Metas de inflação
Na entrevista, o ex-presidente do BC defendeu o atual regime de metas de inflação do Brasil. Recentemente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o país precisava de uma meta desvinculada do ano-calendário.
“Tem uma questão de credibilidade do regime de metas no Brasil. Se estivéssemos em uma conversa acadêmica, abstrata, eu defenderia um horizonte mais dilatado para o atendimento da meta, diferente do ano calendário, e uma redefinição do objetivo para uma espécie de ‘core inflation’, excluindo mudanças nos preços de combustíveis e agrícolas, ao invés da meta cheia como temos hoje”, diz Arida. “Acontece que não estamos num debate acadêmico: no Brasil de hoje, é melhor não fazer nada, não mexer na meta nem no ano calendário.”
Lula x BC
Persio Arida criticou o comportamento de Lula em relação ao BC. O presidente da República já fez uma série de críticas ao chefe da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, por causa da taxa básica de juros (Selic) em 13,75% ao ano.
“Os ataques políticos ao Banco Central só criam mais turbulência nos mercados e não ajudam em nada a derrubar a inflação. Tecnicamente, pode se fazer a discussão se deve subir ou baixar, se o Banco Central errou. É discussão técnica, não política”, observou.
“Claro que o presidente Lula pode falar. Ele foi eleito. Os ministros foram indicados por ele e também podem falar o que quiser. O que não pode é colocar uma pressão política, ameaçar a institucionalidade do Banco Central. É pernicioso ao país”, prosseguiu Arida.
Metrópoles