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A Central Nacional Unimed vem cancelando unilateralmente planos de saúde de pessoas com autismo em São Paulo.
O que aconteceu
Até o dia 9 de maio, a Comissão de Defesa das Pessoas com Deficiência da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo) recebeu 170 denúncias de planos de saúde cancelando convênios sem apresentar justificativa. A maioria atinge pacientes com autismo, e nove em cada dez casos são da Unimed, diz a comissão.
Os cancelamentos, comunicados por e-mail e por aplicativo, começaram no final de abril. Presidente da comissão, a deputada Andréa Werner (PSB) pediu uma investigação à Promotoria de Justiça do Consumidor. Na segunda-feira (15), ela vai se reunir com o MP, quando pedirá uma Ação Civil Pública e ações por danos morais coletivos.
Os planos fazem isso porque sabem que muitos clientes não podem bancar advogado porque pagam os planos com sacrifício. As empresas vão conseguir dar uma limpada em sua carteira de clientes.
Andréa Werner, deputada estadual
A rescisão unilateral de contrato “é uma prática abusiva proibida por lei”, diz Leonardo Navarro, advogado especialista em direito médico. “As únicas possibilidades de um plano rescindir contrato são por inadimplência ou fraude.”
Em junho do ano passado, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu que as operadoras devem continuar dando assistência ao beneficiário internado ou em tratamento mesmo após rescindir unilateralmente o contrato. A condição é que o cliente continue pagando as mensalidades.
Procuradas, a Unimed e a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) divulgaram a mesma nota: “A rescisão unilateral de contratos coletivos é uma possibilidade prevista em contrato e nas regras definidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)”, diz.
Procurada, a ANS afirma que a rescisão contratual sem motivo pode ocorrer somente “após o prazo de vigência do contrato coletivo”. A comissão da Alesp diz que em todas as denúncias recebidas os contratos cancelados estavam vigentes, ou seja, isso não poderia ter sido feito.
Nenhum beneficiário pode ser impedido de adquirir plano em função da sua condição de saúde ou idade e também não pode haver exclusão de clientes pelas operadoras por esses mesmos motivos.
ANS, em nota
“As rescisões jamais são feitas de maneira discricionária, discriminatória ou com intuito de restringir acesso de pessoas em tratamento”, diz a Unimed.
As histórias de pacientes que perderam o plano:
Mariana, 5, tinha começado a falar
“Sou mãe da Mariana, que hoje tem cinco anos. Ela não dormia bem, não olhava nos olhos da gente, não falava e nunca engatinhou. Depois do diagnóstico, aos dois anos, a gente pediu tratamento à Unimed, que sempre negou. Quando liberou, disse que era engano e cancelou.
Aí a gente entrou na Justiça e conseguiu uma liminar. Assim que o tratamento iniciou, a Mariana começou a falar.
No ano passado, a Unimed aumentou a mensalidade de R$ 365 para R$ 689. A gente manteve o pagamento rigorosamente em dia. Se tem uma conta que a gente paga é o plano de saúde dela.
Mas no dia 28 de abril, o convênio comunicou o cancelamento do contrato. Minha filha só vai ser atendida até o fim do mês. Tentei conversar, mas não deu. Agora vou à ANS e ao Procon antes de entrar com liminar [decisão provisória].
A Marina finalmente está adaptada às terapias depois de muito tempo. Ela melhorou a fala, a alimentação, agora expressa sentimento, consegue pedir.”
A inclusão da Marina na sociedade depende disso. Não consigo imaginar o que vai acontecer se ela perder o tratamento.
Relato de Erika Thais Mariano, 40, estudante e mãe de Marina
Sem tratamento, Michel, 35, fica agressivo
“Sou pai do Michel, um autista severo de 35 anos. Os laudos recomendam 40 horas semanais de terapia. No ano passado, o convênio tentou fazer a gente desistir do plano ao reajustar a mensalidade em 80%. Se eu não entrasse na Justiça, teria de pagar R$ 1.200 por mês. Sou aposentado, já é difícil pagar R$ 795.
Antes da terapia, o Michel tomava diversos remédios e ficava dopado. Toda semana tomava anestesia geral para receber choque no cérebro. Do nada ele agredia a gente. Depois que iniciou a terapia, há dois anos, a agressividade praticamente acabou e ele só toma três remédios.
Ele não pode ficar sem tratamento. Nas férias de fim do ano, ele parou por 20 dias e ficou agressivo de novo.
A gente já estava preparado para um novo aumento este mês quando a Unimed mandou email encerrando o plano dizendo que o reajuste seria muito alto para a gente pagar.”
Quando a Unimed cortou o plano, fiquei sem chão… Se não voltarem atrás não sei o que vou fazer. Eles só visam o lucro.
Relato de Jorge Cardoso Bilbao, 64, professor aposentado e pai de Michel
Tito, 4, e Mariana, 12, precisam de 40 horas de terapia por semana
“Tenho um filho de quatro anos e uma menina de 12, ambos com autismo. Até os três, o Tito nem falava. Ele anda na ponta do pé, cai demais e nem sempre consegue se expressar. A Mariana tem dificuldade de aprendizado com transtorno de ansiedade generalizado e início de depressão.
Eles precisam de 40 horas de terapia por semana: fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiólogo, psicopedagoga, psicologia comportamental e psicomotricidade, porque lhes falta noção de espaço.
Mas no dia 28 de abril a Unimed mandou um email dizendo que eu só tenho dois meses de plano. A gente nunca atrasou uma mensalidade, que é de R$ 882. A gente atrasa outras contas, mas o convênio sempre foi em dia.
Um mês sem tratamento equivale a um ano de regressão. Procurei a Justiça, mas estou com medo de não conseguir recuperar o convênio.”
Gabriele Alves Xavier, 39, dona de casa e mãe de Tito e Mariana. Ela, que parou de trabalhar para cuidar dos filhos, também ficará sem tratamento. Com endometriose profunda —que provoca sangramento no útero—, ela precisa passar por uma cirurgia.
Créditos: UOL.