Imagem: Josh Edelson/AFP
O Brasil ficou de fora da lista dos 180 países para onde o Google resolveu levar o Bard, seu chatbot rival do famoso ChatGPT. Canadá e todos os 27 membros da União Europeia são países que também não constam da lista.
Por que o Google não trouxe para cá nem levou a estes países justamente uma de suas principais armas contra a inteligência artificial do momento? Uma análise da resposta do Google sobre as ausências na lista do Bard dá algumas pistas sobre isso:
Na versão em português, a empresa apontou que continuará implementando a ferramenta em outros países, regiões e idiomas ao longo do tempo.
Já a versão para a imprensa estrangeira traz o detalhe de que o serviço será oferecido “de forma consistente com as regulações locais e os princípios de IA” do Google.
A empresa nega que a questão regulatória seja o único motivo para não implementar seu chatbot no Brasil. Cita outros fatores, como o contexto do país, a qualidade a ser oferecida e os princípios que estipulou para a inteligência artificial. É bom lembrar outro detalhe. Ainda que tenha anunciado que o Bard em breve falaria mais de 40 línguas, o Google está expandindo para a lista de 180 países a versão em inglês do chatbot.
No site oficial dedicado a explicitar seus princípios de IA, o Google afirma que está otimista com essas tecnologias, mas aponta que elas ainda oferecem desafios. Alguns deles são encontrar uma maneira de torná-las socialmente seguras e como trabalhar o algoritmo para não reproduzir ou reforçar preconceitos referentes a raça, etnia, gênero e orientação sexual.
Perguntado diretamente sobre isso por um jornalista italiano, Sundar Pichai, CEO do Google, deu uma resposta pouco clara e não deixou claro qual o papel das regulamentações (como a GDPR na Europa ou PL das Fake News no Brasil) nessa decisão estranha.
Definitivamente vamos levar o Bard para todos os países. Com algo como o Bard, queremos localizar e localizar em cada uma dessas línguas envolve muito mais trabalho do que o normal. A regulamentação também varia em todo o mundo. É uma combinação desses dois fatores” Sundar Pichai, CEO do Google
O que o Bard faz:
executa tarefas e responde perguntas, como “Me ajude a planejar o chá de bebê de um amigo/amiga”, “Compare dois filmes indicados ao Oscar” e “Quais novas descobertas do James Webb eu poderia falar ao meu filho de 9 anos?”;
exportará trechos das respostas e conversas do Bard para outros produtos do Google, como Gmail e Docs. É a primeira interação do Bard com outros produtos da empresa —atualmente, há só um botão de “buscar no Google” sugerido em algumas respostas;
passará a mostrar imagens na conversa. Em uma tentativa de ficar mais visual, ele usará imagens presentes na busca do Google. Exemplo: ao perguntar que cidade visitar, você poderá ver imagens. Será possível também fazer o inverso: dar comandos ao Bard a partir de imagens, usando o Google Lens — algo semelhante foi anunciado no GPT-4.
contará com extensões para serviços do Google (como Maps, Sheets, Gmail, Docs etc). Terceiros também poderão criar extensões no Bard, sendo que a primeira será do Adobe Firefly, inteligência artificial que permite a criação de imagens (algo que o Bing, da Microsoft, já faz).
A legislação no caminho do Bard
Desde o começo do ano, o Brasil virou um dos epicentros de regulação das Big Tech no mundo, com a volta da tramitação do PL 2630 — também conhecido como PL das Fake News — e a retomada da discussão no Supremo Tribunal Federal que pode levar a uma mudança no Marco Civil da Internet.
Nós estamos vivendo um momento bastante delicado. O problema não é bem regulação. Está havendo uma certa birra das empresas em relação ao temaTainá Aguiar Junquilho, pesquisadora do ITS-Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio)e professora no IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa)
As Big Tech são contrárias a alguns pontos do PL das Fake News. Na semana em que o projeto seria votado na Câmara dos Deputados, o Google exibiu em sua ferramenta de busca uma mensagem afirmando que o projeto de lei poderia “aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil”. A votação não chegou a ocorrer. Ainda assim, o Telegram enviou a todos os seus usuários uma mensagem contra o PL das Fake News.
As discussões legislativas são o traço que liga os países cortados da lista de ampliação do Bard.
O Canadá discute uma lei de mídia que obriga empresas como Alphabet Inc e Meta, que controlam Google e Facebook respectivamente, a pagar veículos de imprensa. Inspirada em uma legislação aprovada em 2021 na Austrália, a proposta é que essas companhias façam acordos comerciais para remunerar jornais, revistas, sites, TVs e rádios pelo conteúdo produzido por eles e exibido em seus aplicativos e sites.
Recentemente, a União Europeia também sancionou a Lei dos Serviços Digitais (DSA, em inglês). Com 12 regras, a legislação altera drasticamente a relação dos usuários com as plataformas digitais. Essa nova lei é também fonte de inspiração para o PL das Fake News, assim como foi a GDPR (Regulamento Geral de Proteção de Dados, na tradução da sigla) no momento da criação da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados).
Para Junquilho, a indisposição de grandes plataformas em relação a esses marcos é uma espécie de espécie de demostração de força.
“Como a gente não usa essas essas tecnologias e não temos investido em estratégias para avanços na produção delas, ficamos reféns de importar. Áí países que têm mais força econômica, ainda que tenham legislação, conseguem sobreviver. Já países com menos força ficam reféns”, apontou.
Para a pesquisadora do ITS-RJ, a discussão legislativa no Brasil não foge muito do que acontece nos países da União Europeia. A professora afirma ainda que não implementar determinados serviços é também uma estratégia de empresas que não querem ser reguladas. “Vamos ver até quando vai durar”.