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Um novo levantamento sobre a impunidade ao redor do mundo mostra o Brasil em uma situação pouco honrosa. A primeira edição do Atlas da Impunidade, produzido pela consultoria Eurasia, mostra o país está em 70º lugar entre 163 nações, num ranking em que o primeiro colocado é o país com mais impunidade. O desempenho brasileiro não só está abaixo da média global como é pior do que o da grande maioria dos países vizinhos.
O relatório define impunidade como “o abuso de poder possibilitado pela fraqueza da prestação de contas” (ou “accountability”, na versão original). Segundo os autores da publicação, a impunidade é uma medida abrangente e, ao mesmo tempo, objetiva que permite uma comparação direta do grau de efetividade das políticas públicas ao redor do mundo.
O atlas leva em conta 67 indicadores de 29 fontes diferentes para produzir a nota de cada país — em uma escala de 0 a 5. Os primeiros colocados na lista são Afeganistão (com 4,25 pontos), Síria, Iêmen, Myanmar e República Centro-Africana. Na outra ponta, estão Finlândia (último colocado, com índice de 0,29), Dinamarca, Suécia, Noruega e Alemanha.
Na divisão por continente, a Europa teve o melhor desempenho, seguida da Ásia, da América, da Oceania e da Europa.
Brasil atrás dos países vizinhos
Com 2,56 pontos no índice de impunidade, o Brasil está logo abaixo de Tailândia, Cazaquistão e do Kuwait, e logo acima de Belarus, da Argélia e de El Salvador no ranking geral. Dado o longo histórico de impunidade no Brasil, seria pouco realista imaginar que o país fosse aparecer perto da Suíça ou da Áustria no ranking. Mas, mesmo quando se considera apenas a realidade regional da América do Sul, o desempenho brasileiro é decepcionante.
O Atlas da Impunidade mostra que Uruguai (136º lugar), Argentina (120º), Chile (124º), Equador (106º), Peru (96º), Paraguai (93º) e Bolívia (75º) estão melhor do que o Brasil nesse quesito. Governada pela ditadura bolivariana há mais de duas décadas, a Venezuela tem, de longe, o pior resultado da região: o país aparece em 11º lugar. O estudo observa que, além da violência elevada, a falta de efetividade no combate à corrupção é um problema crônico das instituições brasileiras. “No campo socioeconômico, a corrupção sistemática e os crimes de colarinho branco são frequentes, ao passo que a desigualdade acentuada continua a prejudicar melhorias em outras áreas”, descreve o relatório, no trecho em que analisa a situação do Brasil.
A nota de cada é dividida em cinco categorias, e cada uma tem sua própria pontuação. O pior desempenho do Brasil é na categoria “conflito e violência” — o país é ocupa o 9º lugar no ranking geral. A melhor nota do Brasil é a do quesito “degradação ambiental”, em que o Brasil é o 128º. Os outros critérios são a falta de prestação de contas do governo (em que o Brasil é o 93º), o abuso de direitos humanos (64º), e a exploração econômica (104º).
Termômetro da eficiência do Estado
De acordo com Fernanda Thompson, pesquisadora da Eurasia, os altos índices de criminalidade são o principal responsável pela colocação ruim do Brasil. “O Brasil tem um desempenho razoavelmente bom em exploração econômica e degradação ambiental. A classificação geral do Brasil sofre mais por causa da violência e, em parte, abuso de direitos humanos”, afirma. Ela acrescenta que, dentro dessa categoria, os principais problemas para o Brasil são as taxas de crimes violentos, taxa de homicídios, a violência policial e a falta de proteção adequada às mulheres.
Ainda segundo Fernanda, uma melhoria do Brasil no ranking não necessariamente depende de mudanças na legislação; um aumento na efetividade do governo já seria capaz de trazer resultados visíveis. “Nem todas as políticas públicas dependem de uma nova lei. Quando a gente fala da criminalidade, não é falta de legislação, mas a forma como a legislação está sendo aplicada”, explica.
De forma pouco surpreendente, o estudo também conclui que os países democráticos são os que têm menor índice de impunidade. “Acreditamos que a democracia liberal é o sistema de governo mais efetivo para proteger as liberdades civis, a liberdade de expressão, e os freios e contrapesos institucionais; ela também é a melhor forma de maximizar a resposta do governo aos desejos da maioria dos seus eleitores”, diz o texto.
Ainda assim, há exceções à regra: Singapura, um regime de natureza autoritária, está em 128º lugar, melhor do que Israel (117º) e Estados Unidos (118º).
O Atlas da Impunidade foi produzido pela consultoria Eurasia, uma das mais poderosas do mundo, em parceria com o Chicago Council on Global Affairs, um think tank não-partidário com sede nos Estados Unidos. O trabalho teve financiamento da Open Society Foundations, do bilionário George Soros, e da Fundação MacArthur. Uma nova edição do levantamento deve ser divulgada no ano que vem.
Em janeiro, um relatório da Transparência Internacional já havia apontado que o Brasil não fez progressos significativos no combate à corrupção na última década. O Brasil perdeu 25 posições no Índice de Percepção da Corrupção desde 2012 (esse caso, as posições mais altas ficam com os países menos corruptos). De 0 a 100, o Brasil obteve apenas 38 pontos, empatado com Argentina, Etiópia, Marrocos e Tanzânia
Gazeta do Povo