Foto: Fundação Terra/Divulgação
Segundo Sílvia Tavares, crime aconteceu a mando do padre, que foi suspenso pela igreja na terça-feira (30), e foi praticado pelo motorista dele.
Uma mulher acusou o padre Airton Freire de Lima, criador da Fundação Terra, de participar de um estupro sobre o qual denunciou ter sido vítima, em agosto de 2022. Nesta quarta (31), a personal stylist Silvia Tavares de Souza foi ao Palácio do Campo das Princesas, sede do governo estadual, no Centro do Recife, para pedir a conclusão da investigação do caso.
O caso corre em segredo de Justiça e é investigado pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e pela Polícia Civil, que receberam a denúncia em novembro e dezembro de 2022, respectivamente. Na terça-feira (30), o padre de 66 anos foi suspenso pela Diocese de Pesqueira, no Agreste do estado (saiba mais abaixo).
O crime de estupro, segundo a mulher, foi praticado a mando do padre, por um motorista dele, chamado Jailson Leonardo da Silva, de 46 anos. O padre Airton Freire nega as acusações e diz que o afastamento permitirá que as investigações transcorram com tranquilidade (confira o que dizem a polícia, o governo e a defesa do padre Airton).
Sílvia Tavares disse que frequentava retiros espirituais organizados pelo padre desde 2019, na Fazenda Malhada, em Arcoverde, no Sertão do estado, e que participou de, pelo menos, 25 desses eventos religiosos. Os dois teriam se conhecido quando ela buscou a ajuda dele para tratar uma depressão.
Ela contou que, durante um desses retiros, foi chamada pelo padre para ir a uma pequena casa isolada, a que a mulher se refere como “casinha”, onde ficavam os aposentos do padre. Foi nesse dia, 18 de agosto de 2022, que o estupro aconteceu, segundo Sílvia Tavares.
Na “casinha”, o padre teria pedido que ela fizesse uma massagem nele e mandado outro homem, o motorista, estuprá-la enquanto ele assistia e se masturbava, ainda de acordo com a mulher.
Sílvia Tavares foi até o Palácio do Campo das Princesas — Foto: Pedro Alves/g1
Sílvia Tavares contou detalhes sobre como o crime aconteceu:
- Em 17 de agosto de 2022, padre Airton mandou um áudio para Sílvia, pedindo que ela fosse à “casinha” às 6h30 do dia seguinte;
- Jailson levou a mulher para o local, onde o padre estava deitado de bruços, coberto com um lençol de seda;
- Ele pediu uma massagem e, mesmo estranhando o pedido, a mulher fez, mas se assustou ao perceber que, sob o lençol, ele estava sem cueca. Ela, então, saiu da cama;
- Em seguida, Jailson se aproximou da mulher com uma faca e a ameaçou. Enquanto se masturbava, o padre ordenou que ele a estuprasse;
- Com o próprio celular, o padre tirou fotos da mulher e de Jailson nus, juntos. Depois, acariciou os órgãos genitais do motorista e mandou que eles tomassem banho.
“Na hora que Jailson estava me estuprando, o outro [o padre] estava se masturbando. Quando terminou, ele [Airton] simplesmente se levantou, pediu pra tomar banho, eu fui totalmente desorientada, sem saber o que estava acontecendo. Foi a hora que o outro [Jailson] também saiu do banho. Ele [o religioso] pegou no testículo de Jailson e disse ‘veja que coisa linda’. Eu disse ‘eu vou morrer?’. Ele disse ‘não, você não vai morrer, você vai ficar calada'”, afirmou Silvia Tavares.
Ainda segundo Sílvia Tavares, a relação que tinha com o padre Airton era de muita proximidade. Ela disse que chamava ele de “padinho” e que ele a chamava de “minha princesa”. A devoção era tanta que a mulher tatuou na pele o símbolo da Fundação Terra e a frase “Padre Airton: creio em Deus pai”.
A Fundação Terra, local onde acontecem os retiros, foi criada pelo padre Airton há 37 anos, no Sertão de Pernambuco. O objetivo era resgatar a cidadania dos moradores da região, que vivam na extrema pobreza. Há, entre a ações desenvolvidas pela ONG, ações sociais e de saúde, além da manutenção de três escolas e duas creches. A fundação também mantém um lar de idosos e casas que recebem crianças e adolescentes em vulnerabilidade social.
“Quando eu o conheci, ele olhou pra mim, me abraçou, me beijou e disse: ‘você pode voltar?’ e eu me senti a mulher mais importante do mundo, porque é mais fácil chegar perto do Papa que perto dele, porque ele só anda com jagunços, com seguranças, e ele disse que eu tinha livre acesso. Desde esse dia, ele começou a me chamar de princesa. Eu gostaria que muitas mulheres também tivessem essa coragem, mas eu estou por elas, falando por elas”, afirmou Sílvia Tavares.
O que diz o padre Airton Freire
A defesa do padre Airton Freire de Lima enviou uma nota para o g1 na qual o sacerdote “nega a prática de qualquer ato ilícito e reafirma inocência”.
O padre diz que não são verdadeiras as alegações dirigidas a ele e lamenta “ter sido alvo de acusações infundadas e injustas e já constituiu advogados para exercer sua defesa”.
Na nota, o padre Airton diz também que considera “que o afastamento determinado pela Diocese de Pesqueira permitirá que as apurações transcorram com toda a tranquilidade necessária para que se apure a verdade sobre os fatos”.
O que diz o governo
No Palácio do Campo das Princesas, Sílvia Tavares tentou falar com a governadora Raquel Lyra (PSDB), mas foi recebida pela secretária executiva de Políticas para Mulheres, Juliana Gouveia. A representante do governo estadual disse que a demora na conclusão do inquérito se deve ao cuidado para que não haja intercorrências no caso.
Juliana Gouveia também afirmou que ofereceu acolhimento à mulher como vítima de violência. “Ela precisava de acolhimento psicológico, e a gente também vai articular junto com a Secretaria de Saúde. Também precisava de uma advogada e, nesse caso, a gente está articulando com mulheres parceiras, para que ela possa ser acompanhada”, declarou.
Ainda de acordo com a secretária executiva, detalhes do caso não podem ser divulgados. “A gente não pode passar nenhuma informação sobre o caso agora, porque está correndo em segredo de Justiça, mas o governo de Pernambuco tem o maior compromisso para que esse inquérito possa ser agilizado e que ela possa, sim, ter justiça, para que seja acolhida e o caso dela seja solucionado”, disse.
A Polícia Civil afirmou que “está empenhada nas investigações, atuando de forma técnica e com compromisso”. A corporação também disse que, “no momento, não é possível fornecer mais informações, pois o caso segue sob segredo de Justiça”.
O g1 entrou em contato com o MPPE, a Polícia Civil, o Tribunal de Justiça de Pernambuco e a Fundação Terra para obter outras informações sobre esse caso, mas não recebeu resposta até a última atualização desta reportagem.
A Diocese de Pesqueira também foi procurada pelo g1, mas informou que não vai se pronunciar sobre o caso para além da suspensão aplicada ao padre.
A reportagem tenta descobrir quem é o advogado responsável pela defesa de Jailson Leonardo da Silva.