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“Agora veja a sacanagem. (…) O governo tem 43% das ações da Eletrobras, mas, no conselho, só tem direito a um voto. Entramos na Justiça para que o governo tenha a quantidade de votos para a quantidade de ações que ele tem.”
O discurso acima, proferido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no dia 11 de maio, em Salvador (BA), escancara o incômodo do governo com a privatização da Eletrobras, aprovada em maio de 2021 pelo Congresso Nacional – a lei foi promulgada em julho daquele ano.
No início deste mês, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou uma ação ao Supremo Tribunal Federal (STF) na qual pede que a Corte declare parcialmente inconstitucionais alguns dispositivos da Lei de Desestatização da Eletrobras. O Executivo pede mudanças na regra que limita a participação da União e demais acionistas a 10% do direito de voto na companhia.
Os questionamentos sobre uma lei aprovada pelo Legislativo e rumores acerca de uma possível reestatização vêm mexendo com o mercado e afetando as ações da empresa. Desde que Lula foi eleito, em outubro de 2022, a Eletrobras perdeu 30% em valor de mercado, recuando de R$ 115 bilhões para R$ 80 bilhões, segundo dados da TradeMap.
Um dos grupos mais diretamente prejudicados pelo derretimento da Eletrobras é o dos brasileiros que decidiram usar parte do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para comprar ações da empresa. Cada trabalhador pôde aplicar até 50% do saldo em conta do FGTS.
Ao todo, foram destinados R$ 6 bilhões para a aquisição dos papéis da companhia, que valiam R$ 42 na época da privatização e hoje rondam a casa dos R$ 35 (queda de 17%). De acordo com um levantamento da Economatica, as perdas desses investidores já somam R$ 1 bilhão em pouco menos de um ano.
“Sem dúvida, o que gerou essa variação abrupta nos papéis da Eletrobras foram os comentários sobre reestatização. Há um temor dos investidores a respeito de uma eventual retomada da força do governo nas votações e até mesmo do possível controle da companhia”, afirma Hugo Queiroz, diretor de Corporate Advisory da L4 Capital.
Segundo o analista, apesar de existirem outros fatores que contribuíram com a desvalorização dos papéis – como o processo de reestruturação interna da Eletrobras, o período de excesso de chuvas e uma oferta maior de fontes renováveis –, o maior responsável é mesmo o governo federal.
“O principal motivo, sem dúvida nenhuma, é o ruído gerado pelo governo. É claro que existe um componente adicional do processo de reestruturação da companhia após a privatização, como mudança de projetos, redução do quadro, alguns ajustes de processos trabalhistas e judiciais. Tudo isso contribui, mas o impacto desses outros pontos é pequeno’, explica Queiroz.
Para Queiroz, o governo Lula é responsável por pelo menos dois terços do tombo da Eletrobras em valor de mercado. “Desses 30% de perda, 10% é causado pela reestruturação da Eletrobras e 20% é causado pelo governo. Ou seja, por volta de 30% do todo da variação pode ser explicado por processos de reestruturação e 70% pelo governo”, avalia.
Uma saída para quem investiu
Como ainda não se passou um ano da operação, o dinheiro do FGTS usado para comprar ações da Eletrobras não pode ser resgatado. Uma alternativa é migrar para os Fundos Mútuos de Privatização (FMPs) Carteira Livre.
Os FMPs são fundos de investimentos em ações de empresas estatais em processo de desestatização. Eles são dedicados exclusivamente para a migração de dinheiro dos investidores que compraram ações com FGTS. Esses fundos podem comprar papéis de diferentes empresas e também adquirir títulos públicos até o limite de 49% da carteira. O formato permite ao trabalhador ter acesso ao mercado acionário de forma indireta, diversificando a aplicação de seu saldo no FGTS.
“Os fundos mútuos podem reduzir a exposição no ativo. Mas o investidor também pode usar a estrutura de opções para se proteger. Pegar o mercado de derivativos da Eletrobras e tentar uma proteção ou fazer antecipação de dividendos”, explica Queiroz.
Reestatização é improvável
De acordo com os analistas consultados pelo Metrópoles, apesar da retórica contra a privatização da companhia, as chances de o governo levar adiante uma possível reestatização são praticamente nulas. “É um discurso político-ideológico do atual governo, contrário às privatizações. E não há novidade nenhuma nisso, a posição sempre foi essa. O fato de ter mudado o governo não significa que a Eletrobras será reestatizada”, afirma Carla Beni Menezes de Aguiar, professora de MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV).
“A questão é saber se o atual governo, na condição fiscal em que se encontra, vai querer dispor de dinheiro público para reverter a privatização da Eletrobras, o que representaria um custo muito elevado. Neste momento, não aposto minhas fichas em uma reversão”, prossegue Carla. Estimativas apontam que uma eventual reestatização da Eletrobras custaria quase R$ 200 bilhões aos cofres da União.
“Seria criada uma insegurança jurídica que inviabilizaria investimentos importantíssimos para o PIB. Investimentos na cadeia de infraestrutura, de longo prazo, deixariam de ser feitos no Brasil. Isso condenaria uma geração inteira por uma decisão sem pé nem cabeça”, corrobora Queiroz. “Dado esse impacto gigantesco, não acredito que o governo tenha sucesso em uma eventual tentativa de reversão. Agora, se isso acontecer, teremos um impacto macroeconômico violento e veremos uma desvalorização fortíssima das ações.”
O processo de privatização da Eletrobras foi autorizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), por 7 votos favoráveis contra apenas um contrário, depois de ter sido aprovado pelas duas casas legislativas (Câmara e Senado), como prevê a lei. O imbróglio jurídico envolvendo a participação da União na companhia agora está a cargo do STF. O ministro Nunes Marques pediu informações à AGU e à Procuradoria-Geral da República (PGR) para que possa analisar a ação movida pelo governo. O mérito do caso deve ser levado ao plenário da Corte.
Por Metrópoles.