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Caso venha a ser escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado Cristiano Zanin poderá analisar uma notícia-crime em que o advogado Rodrigo Tacla Duran acusa o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) e o deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR) de tentativa de extorsão. O pedido de investigação contra os dois está hoje no gabinete do ministro Ricardo Lewandowski, que se aposenta em 11 de abril e Zanin é o favorito para a vaga – caso nomeado, ele herdará esse caso.
A acusação contra Moro e Dallagnol foi enviada à Corte pelo juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Eduardo Appio, no dia 27 de março, após tomar o depoimento de Tacla Duran. Na audiência, o advogado disse que passou a ser perseguido na Lava Jato, em 2016, e teve uma prisão preventiva decretada por Moro, por recusar-se a pagar US$ 5 milhões para o advogado Carlos Zucolotto Junior, ex-sócio da deputada Rosangela Moro (União Brasil-SP), esposa do ex-juiz.
Trata-se de uma acusação já rejeitada pelo Ministério Público Federal (MPF), por falta de provas, o que também levou o órgão a rechaçar um acordo de colaboração com o advogado. Moro e Dallagnol também negam enfaticamente a acusação, repetindo que ela já foi descartada.
No depoimento a Appio, Tacla Duran apresentou um áudio em que uma pessoa diz que Zucolotto era do “escritório de Moro”. Por causa da menção ao senador e ao deputado, que têm foro privilegiado, o juiz enviou o caso ao STF, para análise do ministro Ricardo Lewandowski.
No Supremo, Lewandowski recebeu o caso por “prevenção”, situação em que cabe ao ministro analisar o caso por ter atuado em assunto semelhante dentro de outra ação. Ele suspendeu várias ações penais contra Tacla Duran dentro de um processo, em trâmite no STF, no qual diversos outros réus da Lava Jato questionam o valor de prova dos sistemas da Odebrecht que registravam pagamentos para políticos.
Esse processo – Reclamação 43007 – foi aberto pelo próprio Zanin, como advogado de Lula, em 2020, para anular as ações contra o presidente baseadas nas provas entregues pela construtora.
Desde então, o ministro anulou não só os processos criminais contra Lula, mas ações penais contra outras dezenas de réus também denunciados com base nas planilhas da Odebrecht. Lewandowski considerou que elas eram nulas como prova apontando “quebra da cadeia de custódia”, ou seja, falta de garantia de integridade dos dados da construtora, pela forma como eles foram armazenados e transportados da Suíça para o Brasil após serem entregues ao MPF.
Depois que Lula obteve a suspensão de suas ações, vários outros réus passaram a pedir a Lewandowski, dentro da mesma reclamação aberta por Zanin, a extensão dessa decisão para seus respectivos processos, inclusive Tacla Duran – o advogado respondia pela acusação lavagem de dinheiro para a Odebrecht, por movimentar recursos em paraísos fiscais no Caribe. Além dele, conseguiram se livrar de ações penais o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB); o prefeito do Rio de Janeiro (RJ), Eduardo Paes; o ex-presidente da Fiesp Paulo Skaf (MDB); o empresário Walter Faria, dono da Itaipava; entre outros.
Caso assuma uma vaga no STF no lugar de Lewandowski, Zanin não poderia relatar essa ação, por ser o autor original dela – estaria impedido pelo artigo 252 do Código de Processo Penal (CPP), que diz que um juiz não poderá julgar processos em que, anteriormente, tiver atuado como advogado.
Mas isso não valerá para a notícia-crime apresentada por Tacla Duran. Zanin poderá analisar o caso porque Lewandowski retirou a acusação da reclamação, e determinou que a notícia-crime tramite de forma autônoma e sigilosa no STF na forma de uma “petição”, classe processual genérica que comporta vários tipos de pedido – no caso de Tacla Duran, para que seja aberta uma investigação sobre Moro e Dallagnol. A eventual abertura de um inquérito contra ambos depende de um pedido formal da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Nessa nova petição, a PET 11128, que tramita em segredo de Justiça, Zanin não estaria impedido, porque o autor do pedido, estampado no cabeçalho do processo é o próprio Tacla Duran, que advoga em causa própria. Por isso, herdando os processos do gabinete de Lewandowski, o ex-advogado de Lula passará a analisar as acusações de Duran contra Moro e Dallagnol.
Seria mais uma reviravolta na Lava Jato. Como advogado de Lula, Zanin sempre combateu a atuação de Moro como juiz e de Dallagnol como procurador, acusando ambos de “lawfare”, termo que designa uma perseguição judicial por agentes do Estado. No STF, portanto, passaria da condição de advogado de defesa para supervisor de uma investigação.
Gazeta do Povo