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Em 2022, tive a oportunidade de participar de uma conferência de dois dias no Colorado. O evento foi organizado pelo Objective Standard Institute.
Embora houvesse muitos oradores de peso, a história que mais me cativou foi a de Yeonmi Park, uma desertora norte-coreana que conseguiu escapar de seu país totalitário em 2007, quando tinha 13 anos de idade, depois de o seu pai ter sido condenado a um campo de trabalho forçado. (Seu “crime”? Ele estava comercializando ilegalmente açúcar, sal e outras especiarias.)
Depois de ter ido para a China, Park foi vendida como escrava, mas conseguiu escapar novamente, desta vez para a Mongólia. Depois ela acabou indo para a Coréia do Sul, e, em 2014, para os Estados Unidos.
Ouvir sobre as tribulações de Park quase me levou às lágrimas. O que foi surpreendente foi como sua visão da vida era positiva mesmo depois de suportar tais dificuldades, perdas pessoais e privações.
“Eu escapei por uma tigela de arroz”, disse Park à plateia.
Desapegados da História, Desvinculados da Realidade
As violações dos direitos humanos na Coreia do Norte são bem conhecidas. O país comunista tem usado notoriamente a fome como arma para subjugar seu povo por décadas e manter um controle de ferro sobre o poder. Há mais de uma década, uma contagem dos EUA citou relatórios que estimam que três milhões de pessoas morreram de fome no país durante a década de 1990.
Kim Jong-un, que em 2011 sucedeu seu pai como Líder Supremo da Coreia do Norte e tornou-se chefe do Partido dos Trabalhadores da Coreia em 2012, utilizou métodos semelhantes no país de cerca de 26 milhões de pessoas, e chegou a resultados semelhantes. Relatórios recentes indicam que a segurança alimentar na Coreia do Norte está “no seu pior nível desde a fome dos anos 90”.
Ouvir sobre a fome e as violações dos direitos humanos em abstrato, no entanto, é diferente de ouvir sobre a experiência de Park, que não só foi infernal como bizarra. Em seu livro de 2016 “Para poder viver: a jornada de uma garota norte-coreana para a liberdade” (Trad. Paulo Geigner, Companhia das Letras), a bela e jovem autora descreve a propaganda estatal à qual foi submetida quando criança.
“Na escola, cantamos uma canção sobre Kim Jong Il e como ele trabalhou tanto para dar instrução aos nossos trabalhadores locais enquanto viajava pelo país, dormindo em seu carro e comendo apenas pequenas refeições de arroz”, escreveu. “‘Por favor, por favor, Caro Líder, descanse bem por nós!’, cantávamos chorando. ‘Estamos todos chorando por você'”.
Park acabaria descobrindo que tudo o que lhe foi ensinado na escola sobre equidade, comunismo e o “querido líder” da Coreia do Norte era uma mentira. Viver nos EUA também lhe deu uma nova apreciação das virtudes da liberdade e do capitalismo.
“Minha história só é possível no capitalismo”, Park publicou em sua conta no Twitter recentemente. “Os EUA são verdadeiramente uma terra de oportunidades para qualquer um que esteja disposto a trabalhar duro e perseverar. Saí da Coreia do Norte sem falar uma palavra de inglês, sem um tostão, e aqui sou autora de dois best-sellers…”
Park estava se referindo a seu mais novo livro, “While Time Remains: A North Korean Defector’s Search for Freedom in America” (“Enquanto o tempo permanecer: a busca de uma desertora norte-coreana pela liberdade nos EUA”, em tradução livre. Ainda sem previsão de publicação no Brasil), que inclui um prefácio do escritor popular Jordan B. Peterson. O livro, que chegou ao número 1 na seção de liberdade política na Amazon, adverte os americanos a não consideraram garantida a sua liberdade, e os exorta a aprenderem com a história.
“Quando um povo se desapega de sua história, quando se desvincula da realidade, quando perde a capacidade de entender causa e efeito, eles estão no ponto certo para serem explorados por aqueles que detêm o poder real”, escreve Park.
Cegos para a prosperidade ao nosso redor
O livro de Park não poderia ter sido mais oportuno. Embora o capitalismo tenha inaugurado uma prosperidade humana sem precedentes, é uma realidade para a qual muitos americanos são cegos, particularmente os americanos mais jovens.
“Vejo pessoas falando livremente, trabalhando em seus MacBooks, pedindo comida que recebem em poucos instantes, vendo carros passando do lado de fora, e foi isso que me fez perceber”, escreveu Alyssa Ahlgren em um artigo viral de 2019 intitulado “Minha geração é cega para a prosperidade ao nosso redor”.
“Vivemos na época mais privilegiada da nação mais próspera e nos tornamos completamente cegos para ela. Veículos, alimentos, tecnologia, liberdade de associação… Estas coisas estão tão arraigadas em nosso modo de vida americano que não pensamos realmente sobre isso. Estamos tão bem aqui nos Estados Unidos que nossa linha de pobreza começa 31 vezes acima da média global”, afirma Ahlgren.
Se você acredita que Ahlgren estava exagerando, considere as recentes observações da escritora de tecnologia do jornal Washington Post, Taylor Lorenz.
“As pessoas ficam dizendo coisas como ‘por que as crianças estão tão deprimidas? devem ser seus CELULARES’! Mas esquecem de mencionar o fato de que estamos vivendo a fase final do inferno capitalista, durante o curso de uma pandemia mortal, em um período que registra uma desigualdade de renda, sem nenhuma rede de segurança social e do trabalho, enquanto a mudança climática cozinha o mundo… você tem que estar delirando para olhar a vida em nosso país neste momento e ter um pingo de esperança ou otimismo”.
É de se notar que Lorenz, ao contrário de Park, nasceu no privilégio capitalista. Ela foi criada em Greenwich, Connecticut, frequentou um prestigioso (e caro) colégio interno suíço e recebeu um diploma de ciências políticas das Faculdades Hobart e William Smith (matrícula: US$ 61 mil [R$ 309 mil]). Antes de ingressar no Washington Post de Jeff Bezos, escrevia para algumas das publicações mais prestigiosas da mídia, incluindo The New York Times, The Daily Beast, e Business Insider.
Apesar deste privilégio e sucesso, Lorenz vê vários problemas. A triste verdade é que ela provavelmente acredita verdadeiramente que vive em uma paisagem do “inferno capitalista”. Como muitos, ela parece cega às virtudes do capitalismo, e a todos os luxos e confortos aos quais se acostumou.
Yeonmi Park não é cega a estas realidades. Ela viu o inferno de perto.
Se Taylor Lorenz quer realmente entender como é o inferno, ela deveria comprar um exemplar do novo livro de Park. Isso provavelmente lhe oferecerá uma perspectiva necessária.
Créditos: Gazeta do Povo.