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MP-GO avalia suposto aliciamento de atletas para cumprirem requisitos que podem ser apostados em sites online, como recebimento de cartões amarelos e vermelhos
O Ministério Público de Goiás (MP-GO) revelou que seis jogos da Série A do Brasileirão estão sendo investigados por manipulação na Operação Penalidade Máxima II. Quatro dos jogos investigados ocorreram na rodada 36 do Brasileirão do ano passado. Fernando Cesconetto, promotor do MP-GO, informou que a operação ainda não confirmou se os atletas efetivamente receberam dinheiro nessas partidas, mas já se sabe que existiram ofertas de apostadores.
A manipulação consiste no aliciamento de atletas para cumprirem requisitos que podem ser apostados em sites online, como recebimento de cartões amarelos e vermelhos. Tendo em vista a situação, o LANCE! entrevistou Marcel Belfiore, sócio do Ambiel Advogados, e advogado especializado em Direito Desportivo, para saber quais personagens podem ser responsabilizados e se as punições, por exemplo, podem contemplar perdas de pontos e consequente mudança no cenário final do Brasileirão de 2022.
Segundo Belfiore, não é possível concluir que esse cenário se concretize com as evidências já divulgadas pelo MP-GO, já que as supostas manipulações não interferem no resultado final da partida, mas sim em elementos como cartões amarelos e vermelhos. O especialista ainda entende que tais mudanças poderiam ser “desastrosas” para o critério de classificação de competições de 2023 que já estão em andamento, como as séries A e B do Campeonato Brasileiro.
– Com as informações divulgadas do caso até o momento, são manipulações que não envolvem necessariamente o resultado final da partida. Às vezes foram um escanteio sucedido, ou um amarelo que foi recebido. São atos que talvez não tenham impactado diretamente o resultado da partida. Se ao longo das investigações for constatado que as manipulações alteraram os resultados da partida, seria possível sim, contestá-la – inicia Belfiore.
– Mas, como as regras das entidades esportivas preveem que impugnações de partidas tem prazos para acontecer, ou se os órgãos judicantes entenderem que isso alteraria sobremaneira uma competição já resolvida, com consequência em cadeia que podem ser desastrosas, como por exemplo, alteração de critérios de classificação para outras competições, ou premiação em dinheiro para os clubes, é possível que isso se converta em alguma maneira em perdas e danos. Isso tudo vai depender das investigações, se for comprovado que os atos de manipulação intervieram no resultado – conclui.
Fernando Cesconetto, promotor do MP-GO, informou que a operação ainda não confirmou se os atletas efetivamente receberam dinheiro (Foto: Reprodução/MP-GO)
SOBRE CBF E CASA DE APOSTAS
Diante das investigações divulgadas pelo MP-GO, o especialista não vê culpabilidade por partes das instituições que organizam as competições, neste caso específico, a CBF. Belfiore afirma que, diante das evidências divulgadas, a confederação é vítima por ter a imagem de seu produto mais importante em território nacional prejudicada.
– As responsabilidades da CBF dependem evidentemente de uma análise, se houve uma participação efetiva, direta ou indireta, de algum dirigente, ou se ocorreu uma clara emissão da entidade, se sabendo dos atos, deixou que isso acontecesse. Falo aqui da CBF, enquanto organizadora da competição. É muito difícil, em uma situação dessas, que haja um envolvimento de dirigentes ou de entidades que organizam as competições. Também não acho, que é um caso de omissão. As entidades organizadoras também são vítimas dessa situação. Até porque, tudo que acontece acaba maculando a imagem da própria competição. Então, é difícil falar em responsabilização, de qualquer forma, pois elas são tão vítimas como os próprios clubes e torcedores – disse.
O mesmo, na concepção do advogado, pode ser dito pelas casas de apostas, que podem perder clientes que deixem de usar a plataforma por desconfiar da idoneidade do produto.
– As casas de apostas são naturalmente plataformas para os apostadores. Ou seja, são ferramentas para ilegalidades. Se um apostador aborda um atleta, ele manipula uma situação e aí ele usa uma ou várias casas de apostas para colocar ali a sua aposta no resultado que está fraudado, faz elas serem instrumento e não parte ativa nessa manipulação. Evidente que se possa ter situações onde uma casa de aposta tenha o interesse e participe diretamente disso, e aí, para ter uma responsabilidade é necessário uma investigação. Mas, ela pode ser também uma vítima ou um mero instrumento desta ilegalidade, não é que elas necessariamente tenham participação – disse.
– É claro, que quando os contraventores se utilizam de uma plataforma para fazer ilegalidades, esta plataforma se prejudica. Ela perde seus clientes, seus apostados, são prejudicadas e podem ter a sua marca manchada no mercado. Os apostadores comuns, se eles utilizam essas plataformas, que são utilizadas para fins corruptos, podem acabar migrando para outras. Evidentemente, que aqueles que buscam esta atividade de apostas como uma diversão, eles se prejudicam também, na medida que o mercado, como um todo, fica manchado. Não se pode confundir esses apostadores, com aqueles que se utilizam de meios ilegais para tirar a aleatoriedade da aposta, fraudar um resultado e consequentemente ganhar mais dinheiro.
Apostas esportivas viraram febre entre torcedores (Foto: Parceiros Lance)
Um relatório anual de integridade da Sportradar apontou que o Brasil é o primeiro lugar no mundo entre os países com mais jogos suspeitos de manipulação de resultados em 2022. O especialista comentou o assunto e afirmou que a atual legislação brasileira precisa passar por um processo de aprimoramento.
– As apostas esportivas por cota fixa, baseada em eventos reais, foram legalizadas no Brasil no final de 2018, ainda sobre o governo do antigo presidente Michel Temer. E desde então, esta atividade, esta lei, não foi regulamentada. Naturalmente, especialmente em um país, com uma população grande como o Brasil, com consumidores deste mercado, é natural que esta atividade vire um campo fértil para ilegalidades. O governo está tentando justamente regulamentar a atividade. Para que se possa ter não só arrecadação, mas também uma melhor fiscalização, um filtro justamente das plataformas utilizadas para as apostas, com uma série de regras.
TERCEIRO ESCÂNDALO NO FUTEBOL BRASILEIRO
Existem dois escândalos na história brasileira envolvendo manipulação de resultados. A Máfia das loterias (1982) e a Máfia do Apito (2005). A Operação Penalidade Máxima II escancara é um terceiro caso grave envolvendo manipulação de resultados. Marcel Belfiore aponta similaridades entre os casos e a principal diferença.
– Existem semelhanças com este caso atual. Todos eles envolvem a manipulação de resultados esportivos, a partir da corrupção de atletas, árbitros, atletas ou dirigentes, para que se produza um resultado falso e alguém obtenha lucro a partir disso. A diferença entre os casos são os agentes da manipulação. Me parece que agora os responsáveis são os próprios jogadores. Mas no fundo, o resultado e o objetivo é o mesmo. Acho que a conexão entre todos eles é justamente a falta de uma regulamentação e fiscalização efetiva. Ou seja, se descobre isso apenas depois. Você também não tem formas de educar e prevenir, para evitar essas situações. Então, o Brasil vive um contexto para buscar regular a atividade – conclui.