Foto: TNSABACA.
O fentanil, um fármaco utilizado para sedações em situações de cirurgia e no trato de dores extremas, tem sido encontrado no país como mistura para potencializar drogas. Há relatos de uso do produto no k2, um canabinoide sintético que ainda é uma incógnita para a polícia, e na cocaína.
O consumo do anestésico como entorpecente já preocupa há anos os Estados Unidos, onde é considerado uma superdroga. De 50 a 100 vezes mais potente do que a morfina, a substância opioide é ameaçadora tanto pela dependência que pode causar quanto pelo risco de morte.
Em fevereiro, a Polícia Civil do Espírito Santo encontrou 31 ampolas desviadas do anestésico, cujo nome técnico é citrato de fentanila, no que foi chamada de primeira apreensão da substância no Brasil. Mas ela já tem sido identificada há tempos por investigadores e pesquisadores.
“Tivemos um caso de intoxicação neste ano em que foi encontrado canabinoide sintético e fentanil na amostra de sangue do paciente”, relata o professor José Luiz da Costa, coordenador do Centro de Informação e Assistência Toxicológica da Unicamp, no interior de São Paulo.
O professor afirma ter atendido nos últimos três meses diversas pessoas que se mostraram surpresas ao terem o fentanil detectado no sangue. Em casos assim, a primeira pergunta feita pelos médicos aos pacientes é eles haviam passado por um processo de sedação para serem intubados, o que é negado.
“A hipótese que nós temos é que isso está sendo misturado nas drogas, porque as pessoas que estão chegando aqui usando fentanil, mas não confirmam esse consumo, e sim de outras drogas”, explica o toxicologista.
Em São Paulo, o fentanil já é apreendido há mais de uma década. Entre 2020 a 2022, 1.229 frascos da substância, totalizando 12,2 litros, foram apreendidos pelo Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico), segundo a SSP (Secretaria da Segurança Pública). Neste ano, houve uma apreensão no dia 8 de fevereiro, em Carapicuíba, na Grande São Paulo, resultando no recolhimento de 810 gramas.
Normalmente encontrado em estado líquido, o fármaco pode se transformar em substância sólida ao ser esquentado.
Uma das primeiras apreensões no estado foi registrada em 2011, quando policiais militares entraram em uma residência em São Mateus, na zona leste da capital, e apreenderam, além de frascos com citrato de fentanila, 16 quilos de maconha e cocaína e ampolas de outros medicamentos, como epinefrina, éter, neocaína e potes de sulfato de magnésio.
Costa alerta para o perigo do uso do fentanil. “Doses tão pequenas quanto 2 mg de fentanil podem ser fatais. E a dependência por opioides é uma das mais difíceis de se tratar”, acrescentou. Além de efeitos alucinógenos e de euforia, a substância pode causar paralisia nos pulmões e levar a parada cardíaca.
E é justamente a dependência que pode estar levando o material de compra controlada a ser misturado nas drogas. “A razão dessa mistura pelo traficante a gente não consegue explicar. Cocaínas e opioides têm ação diferente. A hipótese pode ser tentar aumentar a dependência”, afirma o especialista.
A conclusão também acende o alerta da Polícia Civil, que tem visto a apreensão do k2 aumentar, mas ainda longe da quantidade apreendida de maconha ou cocaína, ressalta o delegado Fernando Santiago, do Denarc,
“Ele já é usado como insumo de cocaína já faz algum tempo. Não é anormal quando se derruba um laboratório de drogas você achar fentanil, é que ele é mais caro. Então, normalmente, para compensar o uso do fentanil, tem que ser desviado de hospital”, afirma.
O delegado também afirma ter conhecimento do possível uso do medicamento na mistura de k2.
“Como é algo novo no mercado brasileiro, cada traficante tem a sua própria receita e pode colocar alguma coisa diferente. Por exemplo, já está se ouvindo traficante colocando fentanil, tem gente que usa com cocaína. Para potencializar a droga, o céu é o limite”, diz Santiago.
No final de 2022, o delegado Carlos César Castiglioni, também do Denarc, explicou à reportagem o método utilizado pelos criminosos na fabricação da droga sintética.
Segundo ele, os criminosos trituram folhas, flores e até temperos, como orégano, borrifando-os posteriormente com a substância sintética. Nesse caso, a droga é chamada de k2. O líquido, acrescentou, também é borrifado em papéis cartonados, sendo conhecido assim como k4. É com esta última fórmula que a substância entra no sistema carcerário.
Por causa disso, a SAP (Secretaria da Administração Penitenciária) proibiu, desde o ano passado, a entrada de papel sulfite nas unidades prisionais paulistas, além de restringir o número de fotos e outros impressos enviados por correspondência.
Dados da pasta na época indicavam aumento de 1.863% nas apreensões de k4, comparando os 72 casos de 2018 com as 1.414 ocorrências de 2021.
Créditos: Folha de SP.