Foto: Bankman-Fried, fundador da FTX. Reprodução.
A falência da FTX, a segunda maior plataforma de negociação de criptomoedas do mundo, em novembro de 2022 causou surpresa no mundo todo. Mais de um milhão de pessoas foram afetadas, e juntas elas perderam mais de US$ 8 bilhões (R$ 40 bilhões na cotação atual). Não parou por aí: o fundador da empresa, Sam Bankman-Fried, formado pelo respeitado Massachusetts Institute of Technology (MIT) e considerado um prodígio, foi parar na cadeia. Desde então, os processos contra Bankman-Fried continuam se acumulando.
Já seria bastante notícia ruim para os investidores, mas agora a maior exchange do planeta, a Binance, e seu fundador e CEO, Changpeng Zhao, que chegaram a cogitar a compra da FTX, estão sendo investigados nos Estados Unidos. Afinal, o que está acontecendo no mundo das criptomoedas?
O colapso da FTX
A história da FTX começa com a fundação da Alameda Research, uma companhia de hedge fund (fundos de cobertura ou fundos multimercado) de criptos, por Sam Bankman-Fried, em 2017. Baseado no sucesso de sua primeira companhia, ele fundou a FTX, em 2019.
“Construída por traders para traders”, a FTX é uma exchange, uma empresa parecida com uma corretora, em que investidores podem negociar moedas digitais e criptomoedas por outros ativos, como dinheiro fiduciário convencional ou outras moedas digitais.
A empresa cresceu rapidamente e frequentemente era percebida como um dos marketplaces mais lucrativos, confiáveis (havia comprado e salvado várias empresas) e influentes do globo. Celebridades como Tom Brady (ex-jogador de futebol americano e ex-marido da modelo brasileira Gisele Bundchen), e jogadores de basquete como Stephen Curry, Shaquille O’Neal (aposentado das quadras em 2011) e o comediante Larry David, criador da série Seinfeld, foram contratados como embaixadores da FTX.
A fama de Sam Bankman-Fried, o SBF, cresceu tão rapidamente quanto sua companhia. Em seu auge, foi considerado um “moderno J.P. Morgan”, segundo a Forbes. Aos 30 anos, era uma das pessoas mais ricas do globo, “com um patrimônio líquido estimado em 26.5 bilhões de dólares no auge de sua fortuna”, de acordo com a revista.
Em 2 de novembro de 2022, uma reportagem do site CoinDesk questionou a solvência da FTX com o uso de FTT para liquidez. O FTX Token (FTT) é um token criado pela FTX para fornecer aos traders uma maneira de economizar nas taxas de negociação. Os tokens de troca, cunhados por exchanges como Binance e FTX, dão aos detentores o direito a benefícios em trocas de criptomoedas. Esses benefícios geralmente incluem descontos nas taxas de negociação, abatimentos e acesso antecipado às vendas de token realizadas na plataforma.
Segundo a Forbes, a matéria da CoinDesk colocava que o principal ativo da Alameda Research era o FTT, o token nativo da FTX. “Isso era uma preocupação porque a FTX estava usando o FTT como garantia no balanço. Isso significava que os ativos estavam atrelados a um token arriscado e volátil, levando naturalmente a preocupações com o capital da FTX e da Alameda”.
Segundo a Forbes, a notícia estimulou os mercados a entrarem em liquidação. Em 6 de novembro, a Binance, a maior exchange do mundo, anunciou que venderia cerca de 530 milhões de dólares (R$ 2,6 bilhões) em FTT, devido às revelações. O preço do FTT caiu e a FTX se viu impossibilitada de processar os saques quando eles atingiram cerca de 6 bilhões de dólares (R$ 30 bilhões).
Em 8 de novembro, a Binance divulgou que havia chegado a um acordo para comprar a FTX, mas, no dia seguinte, após a devida diligência, a Binance anunciou que não poderia continuar com a aquisição da rival. Isso causou pânico entre os investidores.
Em 11 de novembro, a FTX, que chegou a ter a avaliação máxima de 32 bilhões de dólares (R$ 162 bilhões), pediu falência com todas as suas subsidiárias.
Nos dias seguintes ao escândalo, algumas descobertas a respeito da FTX chamaram a atenção: as entidades da FTX não mantiveram livros contábeis apropriados e nem registro de todos os seus assets digitais e transações. Além disso, as demonstrações financeiras da maioria das entidades não foram auditadas por auditores independentes. Não havia uma separação de fundos entre as diferentes entidades do grupo FTX e Bankman-Fried e Gary Wang, cofundador da FTX e da Alameda Research, e que controlava o acesso aos ativos digitais de quase todos os principais negócios.
Em 12 de dezembro, Sam Bankman-Fried foi preso nas Bahamas e foi transferido para a custódia americana. Em 22 de dezembro, depois do pagamento de uma fiança de 250 milhões de dólares (R$ 1,2 bilhão), SBF foi solto, mas não pode sair da casa de seus pais, na Califórnia.
As acusações contra Sam Bankman-Fried
No momento, a FTX está mergulhada em processos judiciais de falências no estado americano de Delaware. Já as acusações contra SBF começaram a ser feitas em novembro, como uma ação coletiva no estado americano da Flórida, e, ainda hoje, continuam aparecendo.
Dentre as muitas acusações, os promotores alegam que ele movimentou ilegalmente fundos da FTX para a Alameda para fazer investimentos e pagar despesas, e somente este fato inclui acusações como conspiração para cometer fraude eletrônica e conspiração para cometer lavagem de dinheiro.
A agência norte-americana SEC (U.S. Security and Exchanges Comission), cuja principal missão é fazer cumprir a lei contra manipulação de mercado, o acusou de fraudar os investidores. O CEO da FTX teria levantado mais de US$ 1,8 bilhão (R$ 9 bilhões) de investidores em ações, incluindo US$ 1,1 bilhão (R$ 5,5 bilhões) de cerca de 90 investidores americanos, e escondendo os riscos deles por anos, informou o jornal The Washington Post. Segundo o periódico, a agência também afirma que “ele desviou fundos dos clientes da FTX para a Alameda e deu a ela uma linha de crédito virtualmente ilimitada com a FTX, aumentando a possibilidade de que os ativos da Alameda estivessem supervalorizados porque ela detinha grandes quantidades de tokens emitidos pela FTX”.
Outra agência norte-americana, a Commodity Futures Trading Commission, que regula os mercados de derivativos, também acusa Bankman-Fried e a FTX de fraude, alegando que eles fizeram “declarações falsas ou enganosas” em conexão com a venda de commodities, diz o jornal.
Em uma acusação federal, SBC também está sendo acusado de ter direcionado o pagamento de pelo menos US$ 40 milhões (R$ 202 milhões na cotação atual) em criptomoedas para autoridades chinesas numa tentativa de descongelar contas ligadas à Alameda Research. Ele e seus associados teriam, segundo a CNBC, “considerado e tentado ‘numerosos métodos’ para descongelar as contas, que continham cerca de US$ 1 bilhão (R$ 5 bilhõs) em criptomoedas, alegam os promotores.
Após esforços legais e pessoais falharem, Bankman-Fried concordou em direcionar um suborno multimilionário para liberar as contas congeladas, alegaram os promotores”. De acordo com a CNBC, o hedge fund de SBF “supostamente usou os ativos descongelados para continuar a financiar os negócios geradores de perdas da Alameda, continuando o que o governo diz ser uma fraude contra clientes e investidores por mais um ano”.
Nesta quinta-feira (30), ele compareceu à corte para uma audiência relativa a essa acusação. Até o momento, cerca de um milhão de pessoas foram afetadas pelo colapso da FTX e os prejuízos estão estimados em US$ 8 bilhões (R$ 40 bilhões).
E a Binance?
Com o colapso da FTX, os olhos do mundo se voltaram para o relacionamento entre as exchanges e empresas ligadas a elas, inclusive a Binance.
Fundada na China, em 2017, por Changpeng Zhao, a Binance é considerada a maior exchange do globo, movimentando cerca de 23 trilhões de dólares em negociações em 2022. A plataforma teria cerca de 30 milhões de usuários registrados, segundo números de 2022.
Na segunda-feira (27), a Commodity Futures Trading Commission entrou com um processo contra a Binance por uma suposta atuação irregular no mercado de derivativos. Segundo o Wall Street Journal, a ideia central do processo é que tanto o CEO, Changpeng Zhao, quanto o seu então head de compliance, Samuel Lim, violaram as leis americanas ao operar ilegalmente nos Estados Unidos, “ajudando clientes nos Estados Unidos a negociar, apesar de promessas de deixá-los de fora” (as negociações são proibidas para investidores de varejo). A empresa também teria violado regras para prevenção de atividade financeira ilícita.
“O programa de compliance da Binance foi ineficaz e, sob a direção de Zhao, a Binance instruiu seus funcionários e clientes a contornar os controles de conformidade para maximizar os lucros corporativos”, acusa a CFTC.
Segundo reportagem do Wall Street Journal do início de março, mensagens internas mostram como a empresa criou o seu braço americano, a Binance.US, para proteger a empresa-mãe do “escrutínio regulatório dos EUA. Durante sua configuração, Lim sugeriu como a Binance poderia reter grandes clientes dos EUA, apesar das promessas de manter os americanos fora de sua plataforma global. Ele sugeriu que os clientes dos EUA usassem um VPN – um programa que mascara a localização de um usuário – ou que usassem entidades offshore.”
“Durante anos, a Binance sabia que estava violando as regras da CFTC, trabalhando ativamente para manter o fluxo de dinheiro e evitar a conformidade”, disse o presidente da CFTC, Rostin Behnam, em comunicado. “Isso deve ser um aviso para qualquer pessoa no mundo dos ativos digitais de que a CFTC não tolerará a evasão intencional da lei dos EUA”.
Segundo um comunicado da Binance: “Este processo é inesperado e decepcionante, pois trabalhamos em colaboração com a CFTC por mais de dois anos. No entanto, pretendemos continuar a colaborar com os reguladores nos EUA e em todo o mundo”.
Desde então os investidores sacaram US$ 1,6 bilhão (R$ 8 bilhões) da Binance, segundo reportagem da Vox, enquanto os problemas da empresa continuam se acumulando. Ao WSJ, uma porta-voz da empresa afirmou que sempre há “fundos mais do que suficientes para atender aos pedidos de retirada”. Na manhã de quarta-feira (29), ela afirmou que as entradas e saídas haviam se estabilizado.
Segundo uma reportagem da CNN, citada pela Vox, se o processo da CFTC for bem-sucedido, isso pode resultar em “centenas de milhões” em multas, bem como uma possível proibição da capacidade da Binance de se registrar como comerciante de derivativos nos EUA no futuro, o que representaria um sério golpe nas receitas de derivativos da Binance, 16% das quais são provenientes dos EUA.
O que são criptomoedas
Criptomoedas são um tipo de moeda virtual guardadas em carteiras digitais ou arquivos de computador. Sua segurança é feita por sistemas criptográficos (daí o nome), que faz com que elas sejam praticamente impossíveis de falsificar ou de gastar duas vezes. Elas podem ser utilizadas para transações seguras online, sem qualquer mediador, globalmente, por meio de uma tecnologia chamada blockchain, que não permite que nenhum dado que já exista seja modificado, mas, ao mesmo tempo, rastreia atualizações e transferências cronologicamente. São consideradas as moedas do futuro, por revolucionar a maneira de fazer negócios, guardar dinheiro e realizar pagamentos.
As criptomoedas não são reguladas por nenhum governo, o que as torna imunes às intervenções governamentais e até mesmo à inflação ou instabilidade das moedas nacionais. Estes são alguns dos motivos pelas quais elas se tornaram populares entre investidores, desde o lançamento da primeira delas, o Bitcoin, primeiro como um artigo, em 2008, e depois como criptomoeda, em 2009.
As criptomoedas também encantam pelas possibilidades de altos ganhos, mas são consideradas um investimento de alto risco. Um dos riscos apontados é a falta de regulamentação, já que estas moedas não são emitidas ou reguladas por nações, além dos riscos relativos à cibersegurança.
Créditos: Gazeta Do Povo.