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De acordo com análise publicada no Jama (Jornal da Associação Médica dos Estados Unidos, na sigla em inglês), o consumo diário de bebidas alcoólicas não ajuda a prevenir doenças cardiovasculares.
O estudo analisou 107 estudos realizados em 108 países de 1980 a 2021 com 4.838.825 pessoas. Segundo a associação, “a pesquisa não encontrou redução significativa de riscos em todos os casos de mortes entre consumidores ocasionais [até 1,3 g] ou leves [de 1,3 g e 24 g] comparados a abstêmios”.
No entanto, a análise concluiu que “não há aumento significativo de risco de morte entre consumidores que tomam [álcool] de 25 gramas a 44 gramas por dia e risco consideravelmente aumentado entre consumidores que tomam de 45 a 64 gramas e 65 gramas ou mais por dia”.
De acordo com médicos e pesquisadores, a ingestão de bebidas alcoólicas deve ser limitada a 30 gramas por dia, o equivalente a uma garrafa de 600 ml de cerveja, duas taças de vinho ou uma dose de 60 ml de destilado –como uísque, vodca ou cachaça.
A quantidade deve ser reduzida à metade, ou seja, 15 gramas por dia, para mulheres, homens abaixo do peso, pessoas com sobrepeso e indivíduos com triglicerídios elevados.
Em 2022, a WHF (Federação Mundial do Coração, na sigla em inglês) publicou relatório em que afirmou que qualquer nível de consumo de álcool pode levar à perda de uma vida saudável.
“Estudos que afirmam que o álcool pode oferecer proteção contra doenças cardiovasculares são amplamente baseados em pesquisas puramente observacionais, que não levam em conta outros fatores, como condições pré-existentes e histórico de alcoolismo naqueles considerados abstêmios”, afirma o texto.
“Até o momento, nenhuma correlação confiável foi encontrada entre o consumo moderado de álcool e um menor risco de doença cardíaca”, diz o documento.
Em entrevista ao Poder360, o professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) Rui Póvoa afirma que “a ideia que o álcool, principalmente o vinho tinto fazia bem para o organismo, vem desde a década de 1990 com a publicação do ‘Paradoxo Francês’”.
À época, de acordo com o estudo, os franceses tinham o hábito consumirem muita manteiga, leite, queijos (gorduras saturadas), além de fumarem muito, porém tinham menos problemas cardiovasculares, como o infarto do miocárdio.
“Aí, um cientista francês, Serge Renaud, em entrevista à TV norte-americana ‘CBS’, deu a sua explicação: o francês ingere uma quantidade significante de vinho tinto. O trabalho foi publicado em uma revista importe e conceituada, a ‘Lancet‘”, afirma Póvoa.
O professor da Unifesp conclui que “parece que malefício não trazem, porém, o benefício ainda não foi comprovado. Na literatura [médica] parece que não traz nenhum benefício e a metanálise do Jama comprova isso”.
O vinho tinto em especial, segundo explica Protásio Lemos da Luz, pesquisador sênior do InCor (Instituto do Coração) da USP (Universidade de São Paulo), tem substâncias conhecidas como polifenóis. Elas protegem as artérias porque aumentam o colesterol do tipo HDL, conhecido como “colesterol bom”, que reduz o risco de infartos.
Há também o resveratrol, antioxidante presente na casca de uvas roxas, que previne a oxidação de partículas de LDL (conhecido como “colesterol ruim”) e tem efeito vasodilatador –o que facilita a circulação sanguínea– e antiplaquetário –o que previne infartos do miocárdio.
“O que acontece no caso do consumo de bebidas alcoólicas e de vinho é que não tem estudo controle. […] São estudos de observação. Outro ponto é a questão das contraindicações. […] Então, nesse sentido, precisa ter muito cuidado”, afirma o pesquisador.
“De modo geral, existem esses vários estudos indicando um efeito protetor do vinho tinto devido principalmente aos polifenóis, não ao álcool em si”, disse Lemos da Luz.
A análise do Jama discrimina, ainda, a relação do consumo diário de bebidas alcoólicas e os sexos. Para mulheres, o risco relacionado a qualquer tipo de causa de morte é mais elevado independentemente do nível de ingestão de álcool.
“Comparado com os abstêmios, houve um risco significativamente maior de mortalidade por todas as causas entre os consumidores do sexo masculino que bebiam de 45 a 64 gramas por dia e entre consumidores do sexo feminino que bebiam de 25 a 44 gramas diárias”, afirma a análise norte-americana.
A coordenadora do ProHart (Programa de Hipertensão Arterial) do hospital universitário da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Beth Muxfeldt, explica que “a prevenção das doenças cardiovasculares se baseia no controle dos fatores de risco, muitos deles relacionados aos hábitos de vida como tabagismo, sedentarismo e obesidade”.
Muxfeldt afirma também que “especificamente em relação ao álcool”, não se deve “estimular pessoas abstêmias a beber moderadamente visando uma proteção do coração”.
Créditos: Poder 360.