Foto: Fernando Donasci/O Globo.
Às portas de o Congresso votar projetos decisivos do governo Lula em meio ao funcionamento de CPIs, o presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) avalia que a relação do Planalto com o Parlamento não é de “satisfação boa”. Ele promete trabalhar a favor das propostas econômicas, prevê uma “guerra de narrativas” na CPMI dos Ataques Golpistas e projeta que outros políticos de direita não errarão tanto quanto Jair Bolsonaro (PL).
Em sua avaliação, o ex-presidente é melhor cabo eleitoral do que candidato. Além disso, Lira critica a articulação política do governo; defende emendas do relator, reguladas pelo STF; e garante que não vai ‘sacanear’ o Planalto.
Estamos chegando ao mês de maio e ainda não vimos votações relevantes nesta legislatura. Por que tanta improdutividade do Congresso?
É diferente começar um mandato de presidente da Câmara em início de governo. Em 2021, quando entrei na metade do período do (Jair) Bolsonaro, o texto que previa a autonomia do Banco Central já estava pronto, com ambiente bom e base consolidada. Qual é a realidade desta legislatura? Aprovamos a PEC da Transição, que foi votada no governo anterior, mas com gerência completa da equipe do Lula. Depois, houve uma acomodação e a formatação de um governo de coalizão, com troca de ministérios por apoios, que está comprovado que não vai dar certo. As emendas resolvem isto sem ser necessário um ministério. Da forma como está, o parlamentar fica com o pires na mão e um ministro, que não recebe votos e não faz concurso, é quem define a destinação de R$ 200 bilhões para municípios do Brasil.
As emendas de relator, que geraram a expressão orçamento secreto no passado, estão fazendo falta?
Eu sempre disse que o orçamento é muito mais democrático se decidido por 600 parlamentares do que por dez ministros. Me elegi sem RP-9 (emendas de relator) e tenho tido uma boa relação sem ela. Não interfere em nada na minha vida. Mas, na governabilidade, sim. Sabemos o que os partidos querem: favorecimento de obras e serviços públicos para aumentar o seu escopo político e atender as suas bases. O governo precisa se organizar, mais especificamente a Secretaria de Relações Institucionais.
A festa de Arthur Lira após a reeleição na Câmara
O senhor se refere ao ministro Alexandre Padilha. Qual a avaliação do trabalho dele?
Um sujeito fino e educado, mas que tem tido dificuldades. Não tem se refletido em uma relação de satisfação boa. Talvez a turma precise descentralizar mais, confiar mais. Se você centraliza, prende muito. Há muita dificuldade, talvez pelo tempo que o PT passou fora do poder.
Mas o Planalto não está fazendo gestos ao senhor mantendo primos seus no comando da Codevasf e Incra de Alagoas, além de um indicado na CBTU?
E eu também não tenho gestos para o governo? Ou sou contra eles? Tenho atuado para maltratar alguém?
O senhor acha que está agindo como um aliado do governo?
Claro. Trabalho para dar tranquilidade ao Brasil. Poderia ter sido eleito presidente da Câmara sem o PT, mas aceitei o apoio e não vou sacanear o governo. Não vou trabalhar contra nem atuar deliberadamente para prejudicar. Mas o presidente da Câmara não é um agregado, ele é um parceiro. Então, vamos ajudar nas pautas, como no projeto do arcabouço fiscal. Tudo o que pudermos fazer para que o ambiente de negócios fique melhor, com menos juros e inflação, faremos. Depois teremos a reforma tributária. Essas são as metas até julho. Agora, em determinados temas não dá para retroceder. O Congresso foi eleito num viés totalmente diferente do Executivo. Existem as questões do governo como, por exemplo, as alterações no Marco do Saneamento por meio de decretos. O Congresso não aceita que uma lei seja alterada assim.
A CPMI dos Ataques Golpistas pode atrapalhar o governo?
O governo tentou derrubar, mas se tornou inevitável depois do vídeo do Gonçalves Dias (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional). A minha pergunta é o porquê deste vídeo não ter aparecido antes. Quem segurou as imagens e decretou sigilo? Como foi parar na mídia? Quem tinha acesso? Se foi o Gonçalves Dias, ele é o homem de confiança do Lula. Se foi o GSI, isto também precisará ser explicado. O governo também quer apurar quem estava por trás dos movimentos nos quartéis, quem financiou e o que era a minuta do golpe. Será uma guerra de narrativas. Mas garanto uma coisa: a pauta do plenário continuará sendo tocada normalmente.
O senhor vai trabalhar para impedir seu rival Renan Calheiros de ser relator com apoio do governo?
Não tenho informação de ele querer nem sei dessa vontade do governo. Mas o senador Renan, caso queira ser presidente da CPMI, precisará de votos. Para ser relator, precisará construir um acordo. Não depende do governo.
A CPI do MST pode virar outra bomba-relógio?
Estive com o pessoal do MST e disse que o agronegócio não tem problema em conviver com a agricultura familiar, assim como os assentados não são inimigos das terras produtivas. Surgiram mais invasões à Embrapa e a terras produtivas de celulose, principalmente em estados onde o governo estadual é aliado do governo federal. Qual é o risco de não darmos um freio nisso logo? É que a turma do campo está amedrontada, assustada e armada. Para acontecer um problema falta pouco. Integrantes do governo já refutaram as invasões, mas não houve medidas firmes para impedi-las efetivamente. Então, vai ter CPI.
Quais são as expectativas para a votação do PL das Fake News nesta semana?
A oposição entrou na briga rasteira das plataformas. No meu partido, os deputados que votaram favoráveis foram coagidos, ameaçados por outros deputados. Está faltando bom senso a todos. E agora entraram os artistas militando pela questão dos direitos autorais, patrocinados pelo Ministério da Cultura e pelo Planalto. Teremos que chamar líder por líder e contar votos.
Lula tem feito declarações polêmicas, como quanto ao conflito entre Rússia e Ucrânia. O que acha de falas como esta?
Acho que o ambiente da política da última eleição do Lula é muito diferente do de agora. As redes sociais, a internet e os órgãos de controle não tinham o tamanho que têm hoje. Toda fala tem peso. A declaração dele sobre a Rússia com a Ucrânia teve muito peso nas relações internacionais e comerciais do setor privado. Hoje você fala e as coisas repercutem do Oiapoque ao Chuí em dez segundos. Um presidente que tem 60 milhões de votos precisa ter cuidado com o que diz.
Nos bastidores, o mundo político tem demonstrado incômodo com a influência da primeira-dama Janja no dia a dia do governo. O que acha disso?
A primeira-dama é a esposa do presidente. Falar sobre a atuação dela é um problema do governo. Se essa inquietude se tornar externa e pública teremos um problema, já que o eleito foi o presidente Lula. Ninguém governa sozinho. Ele tem que ouvir em quem confia como os ministros que indicou e os assessores.
Em breve, teremos um debate sobre a inelegibilidade de Bolsonaro. Qual a sua opinião ?
Quem vai julgar deveria fazer uma avaliação. O eleitor de direita se posicionou no Brasil. Niguém vai tirar essa herança dos quatro anos de Bolsonaro. Ele jogou fora a possibilidade de reeleição? Sem dúvidas. Outro nome de direita como Romeu Zema, Tarcísio de Freitas ou Ratinho Jr. vai desperdiçar essa chance e errar tanto? Então, talvez Bolsonaro seja melhor cabo eleitoral do que candidato.
O senhor é favorável à recondução de Augusto Aras na PGR e da indicação de Cristiano Zanin para o STF?
Aras mudou o ritmo e o nível do Ministério Público e muitas vezes é mal entendido. Por mim, é renovado no cargo. Sobre o Zanin, nunca ouvi resistências.
O senhor está numa cadeira que fez os seus antecessores diminuírem de tamanho depois de deixá-la. Como não cair na irrelevância daqui a dois anos quando deixará a presidência?
Prezo o seguinte lema: pode perder o poder, mas não pode deixar de ter influência. Rodrigo Maia, hoje, não tem o poder da presidência, mas goza de muita influência. É representante dos bancos. Fez muitos relacionamentos.
O senhor terá um candidato à sucessão?
Daqui a dois anos, sim. Bem lá na frente (risos). Neste ano, quem colocar a cabeça para fora é bobo.
Créditos: O Globo.