Psiquiatra brasileiro Marco Abud destaca potenciais equívocos na forma como o transtorno foi confirmado
Uma conversa transmitida ao vivo na internet entre o príncipe Harry e o terapeuta canadense Gabor Maté, no último dia 4, terminou com o ex-membro da família real britânica recebendo o diagnóstico de TDAH (transtorno de déficit de atenção com hiperatividade).
“Quer você goste ou não, eu diagnostiquei você com TDAH. Você pode concordar ou discordar”, afirmou o médico, que teria usado como ferramenta para identificar o transtorno o livro de Harry, Spare (O que Sobra, no título em português).
O psiquiatra brasileiro Marco Abud, criador do canal Saúde da Mente, no YouTube, afirma que o livro não pode servir para diagnosticar um transtorno mental, ainda que tenha histórias detalhadas da vida do príncipe — a autobiografia foi escrita pelo romancista e jornalista americano J.R. Moehringer.
“Pode ser que ele [Maté] tenha visto em uma consulta. É possível fazer a suspeita pelo que você está olhando? Sim. Mas é imprudente fazer isso. Eu não sei qual foi o outro acesso que ele teve”, questiona Abud.
Após receber o suposto diagnóstico, Harry pergunta ao médico o que fazer: “Devo aceitar isso ou devo investigar?”. O interlocutor responde: “Você pode fazer o que quiser com isso”.
Essa última afirmação é criticada por Marco Abud.
“Não pode chegar para a pessoa e falar: ‘Faça com isso o que você quiser’. Você está dando um problema. Obrigatoriamente, você tem que dar a orientação. É errado. O diagnóstico tem que apontar uma solução. Provavelmente, foi uma coisa mais midiática.”
TDAH
Marco Abud explica que, ao analisar pacientes com suspeita de TDAH, é necessário prestar atenção em uma característica fundamental: o prejuízo para executar as coisas.
“A função executiva tem a ver com o quanto você consegue manter palavras na sua cabeça e resolver problemas, com o quanto você consegue alterar a atenção focada no ambiente e depois voltar, e o quanto você consegue resistir a distrações e terminar o projeto.”
Isso, continua o psiquiatra, deve ser observado, “pelo menos desde os 12 anos de idade”.
O diagnóstico passa obrigatoriamente pela avaliação de como está a organização da vida daquele paciente no momento da consulta.
“Consegue pagar as contas, fazer três coisas ao mesmo tempo, a pessoa chama, ele atende e consegue manejar isso… Se consegue fazer isso com certa frequência, ou está muito bem-tratado, ou é uma coisa muito difícil de pensar [no diagnóstico de TDAH]”, ressalta.
O psiquiatra acrescenta que os nomes dados aos transtornos psiquiátricos — surgidos a partir da década de 1950 — servem basicamente para “oferecer um guia para a solução, para direcionar o tratamento”.
“Diagnóstico que não leva a uma solução é um diagnóstico ao qual não devemos dar muita importância”, afirma.
O TDAH e outras condições psiquiátricas são listadas, com base em seus principais sintomas, no DSM-5 (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais — 5ª edição), elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria.
“O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento definido por níveis prejudiciais de desatenção, desorganização e/ou hiperatividade-impulsividade. Desatenção e desorganização envolvem incapacidade de permanecer em uma tarefa, aparência de não ouvir e perda de materiais em níveis inconsistentes com a idade ou o nível de desenvolvimento. Hiperatividade-impulsividade implicam atividade excessiva, inquietação, incapacidade de permanecer sentado, intromissão em atividades de outros e incapacidade de aguardar — sintomas que são excessivos para a idade ou o nível de desenvolvimento”, descreve o guia.
A principal observação de Marco Abud em relação ao diagnóstico de Harry ou de qualquer outra pessoa é: “Se você tem qualquer coisa que sente que está ruim, mas consegue fazer com que essa sensação não atrapalhe outras coisas que você quer fazer na vida, isso não é um diagnóstico psiquiátrico”.
Ainda que haja suspeita, no Brasil, esses diagnósticos devem ser feitos por especialistas — no caso, médicos psiquiatras e psicólogos —, após avaliação do paciente e do histórico pessoal e familiar.
Ainda cabe ressaltar que o TDAH tem tratamento, que, se bem executado, devolve ao paciente essa capacidade de execução que o transtorno atrapalha.