Foto: Ton Molina/AFP – 08/01/2023.
Não é fácil explicar o Brasil para um estrangeiro, e a coisa piora muito quando tentamos explicar as pitangas de nossos embates políticos, cantos ideológicos e preferências partidárias. Ultimamente, o fato mais difícil de explicar é o porquê da esquerda governista estar com calafrios ao escutar sobre a possibilidade de uma CPI do dia 8 de janeiro, dia da invasão dos três poderes em Brasília. Como todos sabem — assim como foi nos EUA na ocasião da invasão do Capitólio —, esses atos foram pintados como sendo o calcanhar de Aquiles da direita conservadora, tanto aqui como lá. E, acreditem se quiser, em ambos os países a esquerda está investindo muito dinheiro, retórica e capital político para sufocar as investigações sobre esses dois dias de fúria.
Há muitas explicações da esquerda brasileira a fim de justificar essa postura, mas, sendo sincero, nenhuma delas convence alguém que não está sob o encantamento ideológico do governo. Nem mesmo velhos socialistas brasileiros estão engolindo essas desculpas pouco trabalhadas. Os motivos mais evidentes para os analistas políticos são dois: aqueles mais ponderados acreditam que uma CPI do dia 8 de janeiro evidenciaria erros crassos e imperdoáveis de Flávio Dino, ministro da Justiça e Segurança Pública — algo que, mesmo sem uma investigação mais profunda, já começa a despontar na superfície —, o que levaria facilmente à sua queda; os mais alarmistas — e não entendam isso como uma crítica, pois eles têm razões para isso — acreditam que uma investigação mais aguda poderia revelar a participação da própria esquerda nos atos daquele fatídico dia.
O vice-presidente do PT, Humberto Costa, já disse publicamente que o governo “investirá pesado” contra a instauração da CPI, e “investir pesado” significa colocar dinheiro mesmo, abrir cofres e benefícios para deputados e senadores que não assinarem ou retirarem suas assinaturas do requerimento da CPI. Pacheco, presidente do Senado, apoiado pela bancada do governo em sua reeleição, já se colocou publicamente contrário à CPI e, anteontem, num movimento que visa desencorajar e intimidar os apoiadores da comissão, pediu que todos que requereram a investigação do Senado reafirmem abertamente suas posições. Estão assustados, acuados. Olhando daqui de cima, como um analista que não tem filiação partidária e não se encaixa facilmente nas definições ideológicas que nos cercam, posso garantir a vocês que é óbvio o movimento de abafamento que há em torno das ocorrências do dia 8. A esquerda não quer que outras pessoas, além deles próprios, investiguem o que se esconde sob o véu de vandalismo daquele dia.
O que teme o PT? Se os atos “terroristas” do dia 8 foram planejados e cuidadosamente organizados por tias do Zap, financiados por empresários bolsonaristas, utilizando-se de pessoas sedentas de sangue da esquerda democrática e mil vezes imaculada, por que não investigar a fundo e desnudar de uma vez por todas as estruturas horripilantes que existem no bolsonarismo, enterrando-o, assim, para sempre, no vão das escórias políticas que nunca mais devem ser revisitadas? Quando fica essa bruma de incerteza no ar, quando a falta de informações é o status quo do inquérito, e a única coisa que se sabe está sob a posse absoluta e obscura de um juiz claramente parcial, a consequência imediata é o surgimento de teorias conspiratórias e uma sensação de insegurança jurídica na sociedade. A CPI, ainda que obviamente tenha seu cunho político, tem também a capacidade perscrutadora necessária ao momento; e se há elementos completamente soltos nessa narrativa de “terrorismo bolsonarista” — acredite, há muita coisa mal contada aí —, é função, dever e mérito das casas legislativas investigar com profundidade.
Hoje, meus caros, há um cheiro de podridão moral e política envolta daquele dia, não só pelos atos vândalos e criminosos perpetrados, mas porque existe uma desconfiança tangível de que há participações, omissões e, talvez, até mesmo arranjos escusos que precisam ser aclarados ou enterrados. Quem tem medo da luz que esclarece os fatos? Por que são os bolsonaristas e outros à direita, os supostos culpados pelo dia 8, que querem investigar a fundo o ocorrido, enquanto o governo, a suposta “vítima” maior daquele dia, quer abafar quaisquer investigações? Sabe o que tudo isso evidencia, meus nobres? O governo está tremendo ante a possibilidade de que a investigação alcance algo que eles definitivamente não querem que seja revelado. O que seria isso? Não sabemos. Todavia, assim como ninguém esconde o vácuo nem instala alarmes para proteger salas vazias, governo nenhum investe pilhas de dinheiro e oferece cargos e mais cargos a fim de impedir uma investigação que condenará seu maior algoz político. Não é óbvio isso?
CréditoS: Jovem Pan.