Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil.
Juiz não pode julgar ação na qual atua advogado que foi intimado para depor em investigação sobre irregularidades na conduta do magistrado.
Com esse entendimento, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Messod Azulay Neto concedeu Habeas Corpus, nesta quinta-feira (2/2), para declarar o impedimento do juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, para julgar ação penal contra Silas Rondeau, ministro de Minas e Energia nos dois primeiros governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e seu advogado, Luís Alexandre Rassi. O processo deverá ser redistribuído a outro julgador.
O ex-ministro e outras nove pessoas foram denunciados pelo Ministério Público Federal por corrupção e lavagem de dinheiro, em desdobramento da finada “lava jato” no Rio. De acordo com os procuradores, houve pagamento de vantagens indevidas ligadas a contratos celebrados entre a Eletronuclear e a Framatome/Areva de 2006 a 2009.
Além de Silas Rondeau, Rassi defendeu o ex-diretor da Eletronuclear Edno Negrini, denunciado em outro caso que também tramita na 7ª Vara Criminal Federal do Rio.
Negrini contratou o advogado Nythalmar Dias Ferreira Filho em substituição a Rassi. Segundo o jornal Folha de S.Paulo, Rassi foi comunicado sobre a troca após apresentar resposta prévia à acusação contra Negrini. Ao entrar no sistema da Justiça para protocolar a saída do caso, viu outra defesa, assinada por Nythalmar.
O advogado foi convocado para depor, como testemunha, no inquérito policial que apura se Nythalmar Dias Ferreira Filho usou o nome de Marcelo Bretas para oferecer facilidades a alvos da “lava jato”.
Por causa do futuro depoimento no inquérito, Rondeau e Rassi, representados pelo advogado Rafael Carneiro, apresentaram exceção de suspeição contra Bretas. Rassi sustentou que o juiz teria uma atuação parcial no processamento e julgamento da ação penal contra o ex-ministro, uma vez que seu depoimento pode corroborar tanto a tese de que Bretas é vítima de Nythalmar quanto o argumento de que os dois agiam em conluio.
Bretas não reconheceu a exceção de suspeição. O pedido também foi negado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES), mas Rondeau e Rassi impetraram Habeas Corpus ao STJ.
Independência fragilizada
Em sua decisão, Messod Azulay Neto argumentou que a situação pode fragilizar a independência de Marcelo Bretas em relação a Luís Alexandre Rassi e, consequentemente, Silas Rondeau.
O ministro mencionou que o artigo 8º do Código de Ética da Magistratura estabelece que o magistrado imparcial é aquele que evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição e preconceito.
Já a Organização das Nações Unidas aprovou os “Princípios de Conduta Judicial de Bangalore”, fixando que o “juiz deve considerar-se suspeito ou impedido de participar em qualquer caso em que não é habilitado a decidir o problema imparcialmente ou naqueles em que pode parecer a um observador sensato como não habilitado a decidir imparcialmente”.
“In casu, não há como se concluir que a atuação do magistrado possa se dar despida de interesse, porquanto o advogado atuante na causa fora intimado para depor em inquérito policial, no qual, embora investigadas as condutas supostamente praticadas por outro advogado, afirma que ‘seu depoimento pode corroborar tanto com a tese que o juiz é vítima do advogado Nythalmar, como com a tese que eles agiam em conluio'”, ressaltou Azulay Neto.
Dessa maneira, o ministro entendeu ser o caso de aplicar o artigo 252, IV, do Código de Processo Penal, “sob pena de vilipêndio da confiança no próprio sistema judicial”. O dispositivo determina que o juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que “ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito”.
“O risco à independência do magistrado é evidente, dado que o depoimento do defensor da parte que está processando pode lhe prejudicar”, comentou Rafael Carneiro.
Delação bombástica
Em acordo de colaboração premiada firmado com a Procuradoria-Geral da República, Nythalmar Dias Ferreira Filho afirmou que Bretas negociou penas, orientou advogados e combinou estratégias com o Ministério Público.
Segundo a revista Veja, o advogado criminalista apresentou uma gravação na qual Bretas diz que vai “aliviar” acusações contra o empresário Fernando Cavendish, delator que também chegou a ser preso pela “lava jato”.
A revista transcreve a gravação, na qual Bretas afirma: “Você pode falar que conversei com ele, com o Leo, que fizemos uma videoconferência lá, e o procurador me garantiu que aqui mantém o interesse, aqui não vai embarreirar”, diz Bretas. “E aí deixa comigo também que eu vou aliviar. Não vou botar 43 anos no cara. Cara tá assustado com os 43 anos”, diz ele em outro trecho do diálogo.
Leo seria o procurador Leonardo Cardoso de Freitas, então coordenador da “lava jato” no Rio de Janeiro. Os “43 anos” se referem à decisão que condenou o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ex-presidente da Eletronuclear, o que gerou temor generalizado nos réus.
Além disso, Nythalmar afirma que Bretas atuou para que Wilson Witzel (PSC) fosse eleito governador do Rio, em 2018. De acordo com o advogado, no segundo turno, Eduardo Paes, em busca de uma trégua, comprometeu-se a nomear uma irmã do juiz para uma secretaria se fosse eleito. Depois de Witzel ganhar as eleições, ele, Paes e Bretas firmaram um acordo informal, narra Nythalmar. O ex-prefeito assegurou que abandonaria a política “em troca de não ser perseguido” (o que não aconteceu, pois foi novamente eleito prefeito do Rio em 2020). Já Witzel nomeou Marcilene Cristina Bretas, irmã do juiz, para um cargo na Controladoria-Geral do Estado do Rio. À Veja, Bretas negou as acusações.
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HC 766.001
Créditos: Conjur.