Foto: REUTERS – 20.01.2023.
As big techs começaram a revelar o alto custo de curto prazo das demissões massivas de funcionários, em um esforço para tentar diminuir os efeitos da crise que abala o setor desde meados de 2022. Relatórios financeiros trimestrais recentemente divulgados do Google, Meta, Amazon, Microsoft apontam que os gastos com demissões e outras medidas de reestruturação já custaram cerca de US$ 10 bilhões (R$ 51,5 bilhões, no câmbio atual) aos cofres das empresas.
A divulgação ocorre após essas quatro empresas anunciarem a demissão de cerca de 50 mil funcionários, uma medida entendida também como um aceno aos investidores, e uma mostra de que elas são capazes de continuar lucrando em uma época de juros altos e queda de financiamentos.
Em comunicados para justificar tais medidas, as big techs afirmaram que se tornarão mais eficientes e enxutas, após cerca de 10 anos de investimentos altos e crescimento acelerado de receita. Além de gastos com indenização dos funcionários demitidos, as corporações ainda pagaram multas por quebras de contrato dos escritórios, data centers e outras instalações que abandonaram no processo de reestruturação, além de reorganizar espaços para trabalhar com menos empregados.
Números altos
A primeira a vir a público anunciar os custos de demissões foi a Meta. Na quarta-feira (1), um relatório revelou que processos para conter gastos e cortar de empregos custaram US$ 4,6 bilhões (R$ 23,70 bilhões, no cambio atual).
Os documentos detalharam ainda que as despesas com indenizações das 11 mil demissões na empresa custaram US$ 975 milhões, e outro US$ 1 bilhão tem relação com mudanças estruturais em instalações.
Em conversas com investidores na quinta-feira (2), compiladas pelo jornal Financial Times, o diretor financeiro da Amazon, Brian Olsavsky, revelou que as reestruturações custaram US$ 1,36 bilhão aos cofres da empresa — US$ 640 milhões com compensações aos demitidos e outros US$ 720 milhões com abandono de imóveis e quebra de contratos de uso de instalações, como supermercados.
A Alphabet, controladora do Google, terá gastos mais elevados. Como ainda não terminou o processo de demissão de 12 mil funcionários — que pode durar até 90 dias desde o anúncio — os valores ainda são uma previsão.
Somente com pagamentos aos funcionários desligados, a empresa gastará de US$ 1,9 a US$ 2,3 bilhões, enquanto outros US$ 500 milhões serão destinados aos custos de redução do número de data centers.
A Microsoft, que anunciou a demissão de 10 mil pessoas, gastou US$ 1,2 bilhão com o processo, incluindo US$ 800 milhões com os pagamentos aos funcionários.
O Twitter, recentemente comprado por Elon Musk, tornou- se uma empresa de capital fechado, e por isso não precisa divulgar balanços financeiros periódicos. Mas analistas apontam que os juros bilionários da dívida da empresa podem causar turbulências nos cofres da plataforma, a ponto de uma falência não ter sido descartada.
Os resultados mostram que as empresas de tecnologia provavelmente passarão por um período de diminuição de crescimento e mais disputa por mercados.
Na análise de Mark McDonald, vice-presidente da consultoria Gartner, e especialista no mercado de tecnologia, os custos com as demissões são uma forma das empresas se ajustarem às mudanças do mercado e continuar atraentes aos pesados investimentos que permitem com que elas cresçam.
“Os investidores estão sempre atentos às mudanças econômicas, de consumo e outras. Mais uma vez, as demissões não são tanto uma crise existencial, mas uma resposta ao excesso de investimento do passado e a mudança de ordens de permanência em casa relacionadas a Covid, etc”, afirma Mark McDonald, em entrevista ao R7.
“Esta é uma situação em que apenas ler a manchete ‘Demissão de 10.000 na empresa XYZ’ não conta toda a história”, completa McDonald.
Para o especialista, a crise é muito mais uma forma das empresas mostrarem que são capazes de se ajustar e manter os lucros, mesmo com condições macroeconômicas menos favoráveis.
“Com menos capital de risco disponível, as big techs estão priorizando produtos e times com margens mais confortáveis e modelos de negócio comprovados, desligando outros com performance mais questionável ou focada no longo prazo”, afirma Herman Bessler, CEO da Templo.cc, uma consultoria para empresas de tecnologia.
Ajuste de foco
Relatórios financeiros recentes acenderam um alerta para um possível desalaceralação dos serviços de nuvem e orçamentos reduzidos no mercado de publicidade digital, os principais motores de lucros das big techs atualmente. O lucro líquido da Alphabet, por exemplo, caiu para US$ 13,6 bilhões, ou US$ 1,05 por ação, de US$ 20,64 bilhões, ou US$ 1,53 por ação, um ano antes.
Até mesmo a Apple, a maior empresa de capital aberto do mundo, registrou um lucro trimestral menor do que o esperado, algo que não ocorria desde 2016. Em um comunicado divulgado na sexta-feira (3), a empresa disse que a queda tem relação com as fracas vendas de iPhones após restrições da Covid-19 na China interromperem a produção do produto mais vendido da empresa. Como resultado, as ações da Apple caíram 5% em várias partes do mundo.
“Com os desafios da cadeia de suprimentos amplamente normalizados, agora acreditamos que a Apple está entrando em um período de demanda mais lenta devido a fatores macroeconômicos”, disse Krish Sankar, analista da Cowen, em entrevista à Reuters.
Cada uma das gigantes começa a se mexer para colonizar novos mercados e ampliar fluxos financeiros. O Google e a Microsoft apostam as fichas no desenvolvimento de programas de inteligência artificial. A desenvolvedora do Windows sozinha anunciou um investimento de US$ 10 bilhões na OpenAI, criadora do ChatGPT, a IA do momento.
A Meta continua gastando bilhões de dólares com o metaverso, que ainda não deu sinais de que será amplamente usado pelo público. O relatório financeiro da empresa registrou gastos de US$ 4,28 bilhões nos projetos de realidade virtual no último trimestre de 2022 — mais de US$ 1 bilhão por mês.
A Apple continua estável como sempre e foi a única das gigantes que não demitiu em massa, e já colhe frutos em aplicações em outros setores que não são os celebrados dispositivos da empresa.
O segmento de serviços, que inclui negócios de conteúdo como a Apple TV+, bem como de software, como a App Store, teve alta de 6% na receita — US$ 20,8 bilhões de dólares, um pouquinho acim da expectativa de US$ 20,7 bilhões.
Crise longa
As big techs também enfrentam uma série de conflitos desgastantes que corroem a imagem delas. Anteriormente, várias das empresas do setor se orgulhavam de possuir escritórios descolados, com lanches gratuitos e expedientes flexíveis. Mas hoje, várias delas enfrentam processos que as acusam de monopólio de mercado, atividades ilegais e invasão de privacidade — as regalias do ambiente corporativo também foram totalmente cortadas.
Após as eleições norte-americanas de 2016, o Facebook esteve no centro das atenções públicas, principalmente com o escândalo da consultoria Cambridge Analytica.
Já o Google se vê acusado de prática desleal no mercado de publicidade digital, área onde é a empresa global dominante. A gigante das buscas é alvo de um processo movido pelo Departamento de Justiça dos EUA, que denuncia violações das seções 1 e 2 da Lei Antritruste Sherman, que regula a competição entre companhias e a livre concorrência.
Governos se movimentaram e passaram a agir também contra o questionável uso de conteúdo de empresas de comunicação sem o devido pagamento. Países como Austrália, Nova Zelândia, Canadá e França já criaram leis que exigem o pagamento por conteúdo do tipo, o que fez tais empresas negociarem com corporações de mídia para não se verem obrigadas a encerrar as operações nesses locais.
A análise de especialistas é que a atual crise ainda não terminou, e ao longo do ano veremos mais desdobramentos dela.
“O ajuste do tamanho da força de trabalho das big techs, assim como o ajuste no valor de mercado das empresas e na sua expectativa de crescimento ainda está em curso, mas deve terminar ainda neste ano de 2023. É natural dos ciclos de mercado”, finaliza Herman Bessler.
Créditos: R7.