Uma disputa envolvendo escândalos sexuais, intrigas e traições está sendo travada na Justiça em torno de uma das maiores heranças do varejo brasileiro. Três filhos de Samuel Klein (1923-2014), fundador das Casas Bahia, brigam entre si e contra um possível novo herdeiro por uma fortuna bilionária.
O duelo familiar, que já era problemático, tornou-se ainda mais complexo com a chegada do “quarto elemento”: Moacyr Ramos de Paiva Agustinho Junior, um homem que lutou até a morte para ser reconhecido como filho de Klein e que agora tem a história revelada.
Universa teve acesso às cerca de 2.500 páginas do documento que detalha a disputa pelo patrimônio deixado por Samuel Klein aos filhos —15 imóveis ou lotes, quotas de empresas e dinheiro em banco e em aplicações— e à ação de paternidade movida por Moacyr, que nos ajudam a montar um quebra-cabeça processual e entender a história.
Quem foi e o que queria Moacyr?
- Moacyr Ramos de Paiva Agustinho Junior foi um advogado nascido em Santos que entrou com uma ação de paternidade em 2011 para provar ser filho de Samuel Klein e ter direto a parte de sua herança.
- Ele dizia ser filho de uma ex-funcionária das Casas Bahia que na adolescência manteve um caso com o empresário, na época casado.
- Klein teria engravidado a jovem e, para encobrir o escândalo, a “escondido” em uma casa em Santos (SP), segundo o relato.
- Moacyr disse ter tentado contato diversas vezes com Klein, mas foi recebido por advogados.
- O possível herdeiro morreu em outubro de 2021, aos 45 anos, sem qualquer ressarcimento.
Em 2022, a companheira e os três filhos de Moacyr pediram para entrar no processo de reconhecimento de paternidade em seu nome. A Justiça chegou a extinguir a ação após a morte dele, mas o recurso contra a decisão ainda está sendo julgado.
Samuel Klein se recusou a realizar testes de DNA até o fim da vida. E, hoje, seus herdeiros reconhecidos —Michael, Saul e Eva Klein— também não aceitam se submeter aos exames.
Pela jurisprudência brasileira, quando o réu se nega a fazer o teste de DNA, existe a chamada “presunção de paternidade”, o que favoreceria os representantes de Moacyr. Mas esse entendimento não foi adotado até agora no caso.
Todo esse imbróglio travou o processo de inventário, que tende a se arrastar por anos na Justiça.
A quem interessa atrasar a partilha da herança?
A ação de investigação de paternidade de Moacyr afeta diretamente a realização do inventário sobre a herançade Samuel Klein.
Em 2013, o patriarca da família registrou um testamento em que dividia assim um patrimônio de quase R$ 500 milhões:
50% para os filhos, por obrigação legal
- Michael: R$ 82,7 milhões
- Saul: R$ 82,7 milhões
- Eva: R$ 82,7 milhões
50% segundo a sua vontade
- Michael (filho mais velho, nomeado inventariante): R$ 124 milhões
- Natalie Klein (filha de Michael, dona de duas empresas na Nova Zelândia): R$ 124 milhões
Segundo advogados de Moacyr, uma versão anterior desse testamento, de 2009, indicava que o patrimônio de Samuel Klein era muito maior.
Nesse mesmo ano, ainda de acordo com os representantes de Moacyr, o patriarca teria feito uma antecipação de herança de R$ 2,6 bilhões a Michael, Saul e Eva.
Por essa versão, os três filhos reconhecidos receberam R$ 884 milhões cada um e tentaram esconder a transferência no espólio ao atualizar o testamento em 2013.
Os advogados entendem que essa antecipação do dinheiro teve o intuito de prejudicar Moacyr, que, àquela altura, já procurava Samuel Klein para confirmar a paternidade.
Se Moacyr vier a ser reconhecido como filho legítimo, toda a partilha terá de ser refeita.
Todos contra Moacyr
Em resposta à ação de paternidade, Michael, Saul e Eva exigiram que Moacyr fizesse um exame de DNA com aquele que seria seu irmão biológico, filho do homem que o registrou. Se o resultado fosse positivo, o assunto estaria encerrado. Mas ele morreu sem que esse teste fosse feito.
Os filhos reconhecidos afirmam que há “má vontade” do outro lado.
A Justiça, que por lei não pode obrigar os Klein a fazer o exame, diz que a família está procrastinando.
Enquanto a investigação não avança, os advogados da família de Moacyr pediram a reserva de 1/8 dos R$ 500 milhões da herança de Samuel Klein —cerca de R$ 62 milhões— como ressarcimento, caso a paternidade seja comprovada.
A Justiça concedeu o pedido, e o montante encontra-se paralisado. O restante da fortuna também ficará preso até a resolução do caso.
Michael e Eva contra Saul Klein
A solução da paternidade de Moacyr não é o único entrave para a divisão da herança de Samuel Klein entre os filhos.
Saul, o filho do meio, vem pedindo constantes adiantamentos da herança à Justiça. Segundo os irmãos, o dinheiro é usado para bancar esquemas de exploração sexual, prostituição e tráfico de mulheres, entre outros crimes pelos quais é investigado, incluindo indenizações de processos.
O caso foi revelado pelo UOL em reportagens e dissecado no documentário “Saul Klein e o Império do Abuso”, com depoimentos de vítimas de Saul que denunciam lesão corporal, estupro, organização criminosa e transmissão de doença venérea. O pai, Samuel, também foi acusado de manter rotinas de exploração sexual de crianças e adolescentes.
Saul é publicamente conhecido por suas extravagâncias financeiras e desvios morais, que o levaram à bancarrota (…) qualquer valor que seja autorizado o levantamento pelo Saul dificilmente poderia ser reavido Eva Klein, em processo contra Saul
No fim de 2021, Saul recebeu cerca de R$ 26 milhões de adiantamento. Menos de um ano depois, pediu mais R$ 30 milhões, que foram negados pela Justiça.
Michael reclama no processo que Saul vê a herança como um “caixa eletrônico”. Eva diz ter juntado “provas substanciais” do comportamento “financeira e moralmente irresponsável” do irmão.
Ricardo Zamariola Junior, advogado de Saul, diz que o direito de seu cliente à herança do pai não tem “qualquer relação com os fatos que vêm sendo investigados pelas autoridades policiais”.
As alegações do senhor Michael Klein e da senhora Eva Klein constituem apenas e tão somente tentativa de desviar o foco daquilo que é efetivamente relevante para que o inventário possa ser finalizado Ricardo Zamariola Junior, advogado de Saul
Envolvidos não se manifestam
A reportagem procurou o escritório Faria Advogados, que representa Michael Klein no inventário, e a resposta foi que “não serão feitas manifestações” sobre o assunto.
O advogado que representa Eva Klein no processo, Carlos Portugal Gouvêa, do escritório PG Law, afirmou que não se manifestaria sobre o assunto fora dos autos judiciais.
O advogado que representa a família de Moacyr, Anderson Hamermüler, também não quis se manifestar.
Representante legal de Saul, Ricardo Zamariola Junior diz que Michael Klein, como inventariante nomeado por Samuel, precisa esclarecer dúvidas a respeito de “determinados negócios envolvendo bens do espólio, a fim de que todos os herdeiros tenham os seus direitos hereditários respeitados”.
UOL