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A equiparação do crime de injúria racial ao de racismo, sancionada nesta semana pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), corrige uma distorção, afirmam especialistas ouvidos pela Agência Brasil. “Essa mudança na lei vem reparar uma grande injustiça”, diz o presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em São Paulo, Irapuã Santana do Nascimento da Silva, em referência à Lei 14.532 de 2023.
Irapuã explica que o crime de racismo está estabelecido pela Lei 7.716 de 1989, mas que, em 1997, houve uma mudança que acabou criando a diferenciação entre as ofensas racistas dirigidas diretamente a uma pessoa e a discriminação racial. “Se observarmos o que aconteceu dentro do processo legislativo, na calada da noite, simplesmente colocaram a injúria racial no Código Penal em vez de colocar na Lei 7.716”.
Assim, na prática, a injúria se tornou um crime menos grave, com pena menor, que poderia ter a possibilidade de punição extinta depois de um prazo determinado, diferentemente do racismo, que é imprescritível. Do mesmo modo, a injúria racial estabelecia a possibilidade de o acusado responder em liberdade com o pagamento de fiança –o que não é autorizado no caso de racismo.
De acordo com Irapuã, a mudança legal acompanha os entendimentos recentes dos tribunais superiores. Em outubro de 2021, o STF (Supremo Tribunal Federal) entendeu que o crime de injúria racial não prescreve e que os casos poderiam ser enquadrados criminalmente como racismo.
O professor da Faculdade Presbiteriana Mackenzie e autor do livro Racismo Recreativo, Adilson Moreira, diz que a injúria racial é uma das modalidades de discriminação por cor ou origem.
Segundo Moreira, racismo é quando se comete um ato intencional e arbitrário para colocar uma pessoa não branca em desvantagem. Isso pode acontecer pela negação de direitos, pela não prestação de serviço por uma instituição pública ou privada ou pelo impedimento ao acesso a postos de trabalho. Essas condutas já estavam explicitamente proibidas pela lei que punia o racismo.
A injúria, ressalta Moreira, é o ataque à honra, no caso da ofensa racial, envolvendo a cor, raça ou origem da pessoa. “[É] quando uma determinada mensagem afeta o senso de dignidade pessoal”.
Apesar da diferenciação entre as condutas que vigoravam até a semana passada, o professor afirma que a intenção das ações é a mesma. “É um ato intencional que procura impor uma desvantagem a alguém”, declara. “Motivados por estereótipos, por falsas generalizações sobre um determinado grupo, pela ideia de que essas pessoas, por serem inferiores, não merecem nem as mesmas oportunidades, nem o mesmo nível de respeitabilidade social que pessoas brancas têm”.
FALTA DE PUNIÇÃO
Porém, a diferenciação legal entre injúria e racismo fazia com que, na prática, não houvesse punição para a maior parte dos crimes. “Praticamente ninguém foi até hoje condenado pelo crime de racismo”, diz. “O que muitos advogados sempre fizeram era solicitar a desclassificação do crime de racismo para o crime de injúria racial”, afirma.
Na avaliação de Moreira, isso também tem a ver com a aplicação da lei pela polícia e pelo Judiciário: “Grande parte dos juízes dos tribunais tem pouco ou nenhum conhecimento do que é racismo, do que é discriminação, do que é o direito antidiscriminatório. E, além disso, nossos tribunais são fundamentalmente compostos por pessoas brancas, heterossexuais de classe alta. Portanto, sempre houve uma negação da relevância social do racismo, seja pelos delegados, seja pelo Ministério Público, e também pelos juízes”.
O professor avalia que a lei acerta ao trazer penas mais duras se as ofensas racistas ocorrerem em ambientes culturais, esportivos ou pelo humor. Para Moreira, piadas e supostas brincadeiras são uma forma usada para praticar o racismo de forma abafada.
Moreira diz que o ódio e desprezo expressos dessa maneira, muitas vezes, servem para garantir o espaço das pessoas brancas nas melhoras posições sociais, em detrimento das negras e indígenas. “O que está por trás desse racismo maroto é a supremacia branca [ideia de que as populações brancas são superiores às demais]”, afirma sobre as ações que acabam criando ambientes em que as pessoas negras não conseguem permanecer.
As penas para injúria na nova lei, inicialmente de 2 a 5 anos de prisão e multa, também podem ser aumentadas caso as ofensas sejam feitas para atacar a religiosidade de alguém.
Créditos: Poder 360.