Instituições financeiras buscam alternativa caso a varejista não tenha recursos para quitar dívidas
Os bancos credores da Americanas buscam caracterizar na Justiça as “inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões” apontadas nos balanços da varejista como uma fraude realizada ao longo do tempo. Com isso, caso a Americanas não tenha condições de saldar as dívidas, quando a Justiça determinar a execução, o objetivo é que o patrimônio dos sócios de referência da varejista – os bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira – possa ser usado para quitar o calote com os credores, segundo fontes que acompanham o processo.
Ao pedir acesso a e-mails e outras formas de comunicação entre os executivos e sócios de referência, além de depoimentos dos mesmos e do ex-CEO, Sergio Rial, que ficou apenas nove dias no cargo, os bancos querem produzir provas de ‘uma atitude dolosa’, mostrando que havia fraude consistente, segundo as fontes.
Para chegar ao patrimônio dos sócios, os advogados dos bancos buscam usar o recurso jurídico chamado de “desconsideração da personalidade jurídica”. Na prática esse recurso é extremo e ignora a autonomia da empresa nos casos de fraude ou abuso. Ao fim do processo, ou seja, quando não é possível mais recursos, permite que o credor alcance os bens particulares dos sócios e administradores para os pagamentos.
Os bancos vêm se articulando para que descontos acentuados nos débitos sejam refutados. Eles esperam que na recuperação judicial da Americanas sejam propostos descontos de 80% a 90% nas dívidas. Por isso, Safra e Santander, por exemplo, entraram com pedidos contra a Recuperação judicial da varejista.
Um advogado consultado pelo GLOBO, especialista em direito societário, afirma que certamente a Americanas não terá como pagar os credores no momento da execução. Por isso, as instituições financeiras credoras estão buscando produzir provas de fraude para no futuro obterem a ‘desconsideração da pessoa jurídica’, que é prevista em lei e buscar reparação no patrimônio do trio da 3G.
Outro especialista em direito societário, consultado pelo GLOBO, diz que os próprios sócios poderiam ser incluídos na ação dos bancos contra a Americanas. Mas, como não há provas contra eles neste momento e nem está caracterizada “a dissimulação e uso de má-fé da pessoa jurídica para se proteger”, isso seria arriscado.
Ele explica que os bancos estão buscando a “desconsideração da pessoa jurídica” porque sabem que não receberão da Americanas os valores a que têm direito. O especialista avalia que, não seria surpresa, se durante o processo, os bancos pedissem o arresto de uma porcentagem dos bens dos sócios.
Segundo as fontes que acompanham o processo, pegou mal e azedou ainda mais a relação com os bancos o comunicado do trio de acionistas referência, no domingo passado.
Na nota pública, eles afirmam que não sabiam da manobra contábil no balanço, que esperam ser possível fechar um acordo com os credores e que vão trabalhar pela recuperação da companhia. E disseram que os bancos jamais denunciaram qualquer irregularidade nas contas da empresa.
“Contávamos com uma das maiores e mais conceituadas empresas de auditoria independente do mundo, a PwC. Ela, por sua vez, fez uso regular de cartas de circularização, utilizadas para confirmar as informações contábeis da Americanas com fontes externas, incluindo os bancos que mantinham operações com a empresa. Nem essas instituições financeiras nem a PwC jamais denunciaram qualquer irregularidade”, diz o texto.
Em nota divulgada ontem, o Bradesco afirmou que a contabilidade das empresas é de responsabilidade de sua administração.
“A governança contábil das empresas é atribuição exclusiva e não transferível da sua administração, inclusive Conselho de Administração. O Bradesco cumpre rigorosamente as diretrizes normativas e atua de acordo com as melhores práticas de mercado”, diz a nota do banco.
O Itaú também veio a público, nesta terça-feira, isentar o setor bancário de qualquer culpa no ocaso da Americanas. De acordo com o Itaú, “é leviana a tentativa de atribuir aos bancos qualquer responsabilidade sobre as práticas contábeis irregulares da empresa.”