Em parecer enviado nesta quarta-feira (7) ao ministro Alexandre de Moraes, relator do chamado “inquérito das milícias digitais” (4.874), a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou no sentido de que pedidos recentes feitos por parlamentares de oposição ao atual governo sejam rejeitados pela Corte. Segundo o órgão do Ministério Público Federal (MPF), os pedidos possuem ilegalidades em relação ao sistema acusatório e se tratam de mera tentativa de uso político das investigações.
Em pareceres semelhantes enviados anteriormente ao STF, a PGR já havia apontado motivos diversos para a ilegalidade dos pedidos, bem como evidenciado tentativas de uso político da Justiça por parlamentares. Apesar disso, com frequência o ministro Alexandre de Moraes tem optado por ignorar as manifestações do Ministério Público na condução dos inquéritos apontados como abusivos e ilegais sob sua relatoria.
Um dos casos analisados pela PGR no parecer desta quarta-feira trata-se da denúncia do deputado federal Marcelo Calero (PSD-RJ), feita diretamente ao Supremo, em relação ao vazamento de áudio enviado pelo ministro Augusto Nardes, do Tribunal de Contas da União (TCU), a amigos em um grupo de aplicativo de troca de mensagens. Nardes disse, no áudio, que estava “acontecendo um movimento muito forte nas casernas [quartéis]” e que achava que seria “uma questão de horas, dias, no máximo duas semanas para acontecer um desenlace bastante forte na nação, [com consequências] imprevisíveis”.
O deputado, então, que é apoiador do presidente eleito Lula (PT), pediu a Moraes para que o ministro do TCU fosse incluído no inquérito das milícias digitais e que contra ele fosse instaurado processo criminal por “tentativa, com emprego de violência ou grave ameaça, de abolir o Estado Democrático de Direito”. O argumento do parlamentar é de que Nardes teria “estimulado um golpe” contra Lula, o que claramente difere das falas do ministro do TCU.
A outra petição avaliada pela PGR foi apresentada por oito deputados federais do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que alegam ter havido instigação das Forças Armadas para um golpe de estado por parte da deputada Carla Zambelli (PL-SP) e do pastor Silas Malafaia em vídeos publicados nas redes sociais.
Os parlamentares também pedem a inclusão dos dois no mesmo inquérito, bem como sua responsabilização por terem, supostamente, “tentado depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”, e quebra de sigilo telefônico e telemático de ambos.
Após a avaliação, a PGR se manifestou pela rejeição de todos pedidos, com sua consequente retirada dos autos processuais. O parecer, assinado pela Vice-Procuradora-Geral da República, Lindôra Araujo, explica que a legislação processual penal não permite que aqueles que não mantêm ligação com os fatos apurados em um determinado processo peticionem pela abertura de inquéritos, pela decretação de medidas cautelares, ou pela realização de diligências investigativas relacionadas a crimes de ação penal pública.
Na prática, ao irem direto ao Alexandre de Moraes os deputados buscaram “driblar” o Ministério Público, que apontaria as ilegalidades da medida. Tal prática tem sido recorrente desde que o ministro passou a conduzir inquéritos com linha excessivamente dura contra dezenas de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) que são investigados em inquéritos tocados pelo próprio STF. Tal conduta é alvo de questionamentos diversos quanto à sua legalidade – recentemente reportagem do New York Times, principal jornal norte-americano, questionou ações do ministro e definiu parte delas como “alarmantes”.
“A autuação de notícias de fato como petições mostrou-se atalho para possíveis intenções midiáticas daqueles que, cada vez mais, endereçam comunicações de crimes imediatamente à Suprema Corte, em vez de trilharem o caminho habitual do sistema constitucional acusatório, noticiando os fatos ao Ministério Público, a fim de iniciar as perscrutações de hipotéticos delitos, fase eminentemente pré-processual”, diz trecho do parecer da PGR.
O órgão destaca, ainda, que os pedidos em questão não têm relação com os fatos investigados no inquérito das milícias digitais, já que “não veiculam elementos concretos e reais de inserção em uma organização criminosa que atenta contra a Democracia e o Estado de Direito”.
Por fim, a PGR evidencia o caráter meramente político de muitos desses pedidos ao alegar que semanalmente há posicionamentos diversos de parlamentares sob o argumento abstrato da existência de atos antidemocráticos praticados por agentes integrantes de suposta organização criminosa, “não por coincidência muitas vezes em face de opositores políticos e ideológicos dos peticionantes”.
PGR sugere que Supremo se distancie de divergências políticas e ideológicas
Mesmo com as inconsistências, Moraes encaminhou as petições à PGR para que o órgão se manifestasse ao invés de rejeitar de imediato os pedidos. Em vista disso, a Vice-Procuradora-Geral da República apontou a necessidade de haver melhor filtragem dos pedidos, sob risco do mau uso do poder Judiciário.
“Afigura-se necessário estabelecer filtragens a petições com claro viés político, que pretendem causar confusão jurídica e incriminar opositores por meio de conjecturas e abstrações desprovidas de elementos mínimos, de modo que deve ser negado seguimento a pleitos manifestamente descabidos”. Mais ao fim, o órgão cita a importância de que o Judiciário mantenha distanciamento “das divergências políticas e ideológicas entre candidatos e partidos em período eleitoral e pós-eleitoral”.
Gazeta do Povo