Rei do Futebol estava internado desde o dia 29 de novembro, quando visitou o hospital para reavaliar o tratamento quimioterápico e foi diagnosticado com uma infecção respiratória
“Eu nunca pensei que ia ser grande”, afirmou Pelé em entrevista à CNN, em 2020. Edson Arantes do Nascimento, que morreu aos 82 anos, nesta quinta-feira (29), em São Paulo, não foi apenas grande. Foi o maior. Foi o rei do futebol.
Pelé estava internado desde o dia 29 de novembro, quando visitou o hospital para reavaliar o tratamento quimioterápico e foi diagnosticado com uma infecção respiratória.
Desde então, o craque estava em cuidados paliativos, recebendo medidas de conforto para aliviar dores e falta de ar. Pelé passou por uma cirurgia para a retirada do tumor em 4 de setembro do ano passado.
Ele chegou ficar estável após a cirurgia, mas teve de retornar para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em 17 de setembro, depois de um quadro de instabilidade respiratória. Quando se recuperou, foi encaminhado para a unidade de tratamento semi-intensivo.
Boletim médico divulgado na quarta-feira (21) afirmou que Pelé apresentava “progressão da doença oncológica” e que requeria” “maiores cuidados relacionados às disfunções renal e cardíaca”.
Em postagem no Instagram nesta quarta, a filha de Pelé, Kely Nascimento, afirmou que os dois passariam o Natal no hospital e, em tom de brincadeira, disse que transformariam o quarto “em um sambódromo”.
A importância de Pelé foi tamanha que é possível falar que, a partir dele, o mundo mudou a forma de ver os jogadores e a seleção do Brasil. Foi por causa dele, por exemplo, que os conflitos em Biafra, na Nigéria, e no Congo Belga foram interrompidos por algumas horas em 1969.
Nesse período, os envolvidos aceitaram uma trégua para assistir ao time comandado pelo Rei, o único que pode bradar que foi responsável por parar uma guerra.
Esse foi o tamanho de Pelé, que, em uma época em que a globalização parecia possível apenas na ficção científica, e os salários de jogadores de futebol ainda tinham dimensões terrenas, conseguiu se tornar conhecido nos quatro cantos do planeta e fazer do nome uma marca.
Edson Arantes do Nascimento nasceu em 23 de outubro de 1940, na cidade de Três Corações, em Minas Gerais. Era filho de Celeste Arantes com João Ramos do Nascimento, jogador de futebol que, dentro de campo, era chamado de Dondinho, com passagens pelo Fluminense e Atlético Mineiro.
Seu time mais marcante, porém, foi o Vasco de São Lourenço (MG), e por razões extracampo.
No já falido clube mineiro, Dondinho jogava com o goleiro Bilé, cujas atuações animavam seu filho, o jovem Edson, que gritava seu nome em cada boa defesa. Porém, a dificuldade em falar o nome do jogador fez com que as pessoas zombassem do menino, o chamando de variações do nome do goleiro. De “Bilé”, para “Pilé” e depois Pelé.
Pelé começou sua carreira profissional no Santos com apenas 15 anos, estreando e anotando seu primeiro gol em partida contra o Corinthians de Santo André. Porém, na época, seu apelido no Santos era “gasolina”, nome que perduraria por pouco tempo e que seria substituído por seu apelido de infância: Pelé.
Com apenas 16 anos, o jovem que havia feito sua estreia como profissional há menos de um ano, se tornou titular absoluto do Santos, e foi o artilheiro do campeonato paulista de 1957 (17 gols), e ajudou o Brasil a conquista a Copa Rocca.
Seu desempenho com a amarelinha o credenciou para ser convocado para a Copa de 1958 como uma aposta do técnico Vicente Feola, contrariando um psicólogo da época que afirmava que Pelé era muito jovem para a seleção: “Você pode estar certo, mas não sabe nada de futebol, e eu vi o Pelé jogando”.
Pelé era diferente e mostrou isso na Copa. Após começar no banco as primeiras duas partidas do torneio, ele e Garrincha iniciaram o jogo contra a União Soviética, que teve o final que se repetiria todas as vezes em que os dois bastiões do futebol atuaram juntos: vitória para o Brasil.
A partir de então, Pelé e Garrincha não saíram mais do time, que rumou até a final desbancando País de Gales, França e os anfitriões suecos na grande final.
No jogo decisivo, o jovem de 17 anos desfilou no gramado do Rosunda Stadium o futebol que começava a encantar o Brasil e o mundo. Pelé foi responsável por dois gols do placar de 5 a 2, sendo o primeiro uma pintura, chapelando o zagueiro nórdico para então fuzilar a meta adversária – isso antes mesmo de atingir a maioridade.
Após o apito final, Pelé cumpriu a promessa que fizera ao pai 8 anos antes, ao vê-lo aos prantos após o “Maracanazzo”: “Não chore papai. Eu vou ganhar uma Copa do Mundo para você”.
Após garantir o primeiro título mundial do Brasil, Pelé volta ao Brasil e ao Santos já com status de estrela, com o título de melhor jogador jovem da Copa de 1958.
É neste momento que nasce uma das maiores equipes de todos os tempos, que além de Pelé, contava com estrelas como Pepe, Coutinho, Dorval e Mengálvio, linha de frente histórica do futebol mundial.
Foram eles que transformaram a década de 1960 na década santista, faturando com o time praiano 8 campeonatos paulistas, na época cobiçados e disputados não só pelo seu valor simbólico, mas por dar vaga na Taça Brasil, campeonato de campeões estaduais e que na época era o equivalente ao Campeonato Brasileiro.
Mesmo em âmbito nacional, o Santos de Pelé continuou a empilhar títulos, faturando as Taças Brasil de 1961 até 1965.
As vitórias deram ao Santos a chance de disputar a Copa Libertadores, recém-nascida competição que ainda não tinha sido conquistada por um clube brasileiro – escrita quebrada em 1962, pelo Santos.
Foi graças a esta competição que Pelé e o Santos começaram a fazer seu nome ao redor do planeta, primeiro vencendo o então bicampeão da Libertadores, Peñarol, e depois se habilitando a disputar o mundial de clubes contra o poderoso Benfica, de Eusébio.
O Santos conquistou o mundo pela primeira vez ao aplicar um acachapante goleada de 5 a 2 ante os lusos em pleno estádio da Luz, em Lisboa.
Pelé marcou três vezes naquele dia e, na saída do campo, Costa Pereira, goleiro do Benfica, declarou: “Cheguei com a esperança de parar um grande jogador.
Fui embora convencido de que havia sido atropelado por alguém que não nasceu no mesmo planeta que nós”.
Naquele mesmo ano, o Rei disputara a Copa de 1962, marcada por sua lesão na segunda partida, contra a Tchecoslováquia, que o tirou de combate até o fim do torneio. Por sorte o Brasil contava com um tal de Mané…
No ano seguinte, Santos e Pelé repetiram a dose: foram campeões da Taça Brasil e da Libertadores contra o Boca Juniors – diante de uma La Bombonera lotada e hostil, com Pelé anotando o gol do título aos 82 minutos.
Na sequência, foram também campeões mundiais diante do Milan. O grande feito deste último título foi lotar o Maracanã para as partidas 2 e 3 do mundial.
Mesmo longe de Santos, a equipe arrastava multidões pelo Brasil. Era hora de ganhar os corações do mundo.
O Santos começou então a se focar em excursões ao redor do planeta, deixando as competições tradicionais de lado. Entre viagens pela Europa, Pelé e cia. fizeram paradas na África em 1969, onde causaram o cessar-fogo entre as forças de Kinshasa e Brazzaville, no Congo Belga e na Guerra de Biafra, na Nigéria, para que as populações das cidades pudessem ver de perto o Rei.
Naquele mesmo ano, outro momento marcante de sua carreira: o milésimo gol, diante do Vasco, no Maracanã – primeiro ser vivo a atingir a marca. Na comemoração, dedicou o gol às crianças pobres e carentes do Brasil, enquanto uma multidão invadiu o gramado do estádio.
A Copa de Pelé
Em 1958, mesmo jovem, Pelé foi peça essencial para o primeiro título do Brasil na Suécia, porém o posto de craque do time era de Didi. Em 1962 uma lesão abreviou sua participação no torneio, assim como em 1966.
Com 29 anos, Pelé sabia que a Copa do México, em 1970, poderia ser sua última em alto nível. Para tal, se preparou como nunca e teve ao seu lado aquela que é considerada a melhor seleção de todos os tempos.
Comandando um time que tinha Tostão, Rivellino, Gérson e Jairzinho, Pelé fez uma Copa irretocável e histórica.
Seu magnetismo exacerbou todas as expectativas no torneio, onde mesmo os gols perdidos por eles se tornaram históricos, como o “gol que Pelé não fez” – o chute no meio de campo contra a Tchecoslováquia – e “o mais bonito gol perdido” – em que driblou o goleiro uruguaio Mazurkiewicz e chutou uma bola que caprichosamente passou à esquerda do gol.
O brilho do Rei naquela Copa foi tão intenso que saiu dele a bola daquela que é considerada a maior defesa de todos os tempos, protagonizada pelo inglês Gordon Banks, após cabeçada fulminante de Pelé.
O tri veio, assim como a Taça Jules Rimet, e um gol do camisa 10 na final, após subir mais do que toda a zaga italiana para abrir o placar.
Seu lance mais marcante na final, no entanto, foi a assistência para o gol derradeiro daquele torneio, anotado por Carlos Alberto Torres, na trama ofensiva lembrada como um dos mais belos gols coletivos do futebol. Nos braços do povo mexicano, o Rei se despedia das Copas do Mundo coroado.
Aventura americana
Pelé se despediu oficialmente da seleção brasileira em 1971, aos prantos e sob os gritos de “Fica! Fica!”. Em 1974, foi o momento de se despedir do Santos para entrar em uma aventura que expandiria seus horizontes: popularizar o futebol nos Estados Unidos.
A equipe escolhida foi o New York Cosmos, que ofereceu a Pelé um contrato de três anos com salários de US$ 2,8 milhões por ano, se tornando o jogador o mais bem pago do mundo até então.
A passagem de Pelé nos Estados Unidos causou a quebra de diversos recordes de público para futebol no país. No dia 9 de junho de 1977, 62.394 pessoas foram ver Pelé, marca batida em 14 de agosto de 1977, quando 77.691 pessoas estiveram presentes para o jogo que marcou o recorde de público para futebol na América do Norte até então.
Em campo, o Cosmos faturou o campeonato nacional de 1977, mas foi fora das quatro linhas que a estadia americana trouxe os maiores benefícios a Pelé.
Já estabelecido como atleta e jogando em uma liga de baixo nível técnico, o Rei do Futebol se tornou uma celebridade em Nova York. Sua fama fazia com que ele vivesse em torno de celebridades como Mick Jagger, Andy Warhol e Muhammad Ali.
No ápice da música disco, a casa noturna Studio 54 era a mais cobiçada da noite de Nova York, e Pelé tinha seu nome fixo na lista da casa. Warhol chegou a declarar que Pelé contrariou sua teoria: “Em vez de 15 minutos de fama, ele terá 15 séculos”.
A idolatria a Pelé atingiu níveis internacionais, rendendo encontros com o presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, e uma homenagem na célebre série de serigrafias de Andy Warhol, colocando-o no mesmo patamar de Marylin Monroe e Elvis Presley.
Pelé também se aventurou pelo cinema, tendo participado de filmes dos Trapalhões. Porém, seu maior feito foi a participação no filme “Fuga para a vitória”, onde foi dirigido pelo lendário John Huston e contracenou com Sylvester Stallone e Michael Cane.
Antes de sua despedida dos gramados de forma oficial, no dia 1º de outubro de 1977, Pelé foi homenageado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Gol de Placa
Pelé foi responsável por imortalizar algumas tradições no futebol, como a mística da camisa 10 pertencer ao craque do time, o mais técnico e decisivo. Foi graças ao Rei também que no Brasil um belo gol se tornou um “gol de placa”.
Isso por conta de um gol marcado ante o Fluminense, no Torneio Rio-São Paulo de 1961, quando Pelé passou por quatro defensores tricolores e colocou a bola no canto direito do goleiro Castilho.
A plasticidade do lance foi tamanha que o jornalista Joelmir Betting, à época no jornal O Esporte, pediu para confeccionarem uma placa em homenagem ao lance para ser colocada para sempre no Maracanã.
Polêmicas fora de campo
Em 21 de fevereiro de 1966, Pelé se casou com Rosemeri dos Reis Cholbi. Eles tiveram duas filhas e um filho: Kelly Cristina (nascida em 1967), Jennifer (nascida em 1978) e Edson, mais conhecido como Edinho (27 de agosto de 1970).
O casal se divorciou em 1982. Em maio de 2014, Edinho foi preso e condenado a 33 anos por lavagem de dinheiro e narcotráfico. No recurso, a sentença foi reduzida para 12 anos e 10 meses.
De 1981 a 1986, Pelé teve um relacionamento com a apresentadora Xuxa. Ela tinha 17 anos quando começaram a namorar.
Em abril de 1994, ele se casou com a psicóloga e cantora gospel Assíria Lemos Seixas, que deu à luz no dia 28 de setembro de 1996 os gêmeos Joshua e Celeste através de tratamentos de fertilidade. O casal se divorciou em 2008.
Pelé teve pelo menos mais dois filhos de antigos relacionamentos. Sandra Machado, que nasceu de um caso que ele teve em 1964 com a empregada doméstica Anizia Machado, que lutou durante anos para Pelé reconhecer a paternidade de Sandra.
Embora tenha sido declarada pelos tribunais como sua filha biológica com base em evidências de DNA em 1993, Pelé nunca reconheceu sua filha mais velha, mesmo depois de sua morte, em 2006, nem seus dois filhos, Octavio e Gabriel, como seus netos.
Pelé também teve outra filha, Flávia Kurtz, em um caso extraconjugal em 1968 com a jornalista Lenita Kurtz. Flávia foi reconhecida por ele como sua filha.
Aos 73 anos, Pelé anunciou sua intenção de se casar com Marcia Aoki, de 41 anos, com quem namorava desde 2010. Eles se conheceram em meados da década de 1980 em Nova York, antes de se encontrarem novamente em 2008. Se casaram em julho de 2016 e permaneceram juntos até a morte do jogador.