Foto: Hélvio Romero/Estadão
Integrante da equipe econômica do primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o economista Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners, diz que, apesar de o petista ter cumprido rigorosamente a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), deixou um “legado” de aumento do gasto público. O ex-secretário do Tesouro Nacional também está pouco convicto em uma aprovação da reforma tributária no Lula 3, porque é um tema complexo e não parece ser prioridade de Lula. “Lula não é um reformista. Ele não gosta de brigar. Gosta de fazer as coisas por consenso”, disse, em conversa com o Broadcast/Estadão.
Apesar de a prioridade à reforma dos impostos indiretos citada por Fernando Haddad (PT), cotado para o Ministério da Fazenda, em evento da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Kawall argumentou que o tema tem “nós” federativos e, principalmente, setoriais que demandam uso intensivo de capital político para a sua aprovação. “E se não usar esse capital político, a reforma não sai. Eu acho que a tributária não vai avançar. Não é prioridade do Lula e é um tema complexo.”
Em relação à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, Kawall afirmou que a melhor opção é um texto nos moldes da “PEC Kamikaze”, aprovada em julho deste ano. Neste modelo, um montante de R$ 80 bilhões poderia ser excepcionalizado do teto somente em 2023. A PEC proposta pelo governo eleito quer retirar o Bolsa Família e outros recursos do teto de gastos, com um impacto fiscal de R$ 198 bilhões por ano.
No Congresso, uma das alternativas para desidratar a PEC é reduzir para um ou dois anos o período em que o Bolsa Família ficaria fora do teto. Já a proposta do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) amplia o teto da regra em R$ 80 bilhões, com incorporação desse montante nos anos seguintes.
“Eu prefiro a terceira opção [modelo PEC Kamikaze], que é realmente o objetivo inicial, ser um arranjo de transição. Tem gente que diz que no fim do ano que vem teria que ter outra discussão. Mas aí pode atacar outras despesas ou ainda incluir receita, o que não resolve o teto, mas respeitaria a LRF”, diz o ex-secretário do Tesouro, em referência à regra que determina que a criação de uma despesa permanente seja compensada com uma receita permanente.
Além de o contrassenso do Congresso “velho” liberar gastos antes da posse do novo Legislativo, o economista avalia que não há necessidade de uma expansão de gastos tão grande em um momento em que a economia brasileira vai bem, com bons indicadores de crescimento econômico e emprego, por exemplo. “Qual é o objetivo de gastar mais R$ 200 bilhões? O problema do Brasil é social, não é geração de emprego. É um negacionismo econômico de Lula.”
Para o economista, embora o presidente eleito tenha cumprido rigorosamente a LRF, ele só precisou fazer ajuste fiscal nos dois primeiros anos de seu mandato, pois depois se beneficiou do aumento forte da arrecadação provocado pelo boom de commodities. “Lula sempre gastou muito, tem um legado muito forte de gasto. Tudo bem que o Fernando Henrique também. Lula nunca foi responsável fiscalmente sob a ótica do gasto. Agora já quer entrar pedindo R$ 200 bilhões a mais.”
O ex-secretário do Tesouro ainda disse que traz desconforto mudanças dessa magnitude no Orçamento sem que se tenha conhecimento de quem vai comandar a área econômica no Lula 3. Para ele, com as propostas fiscais preocupantes que o governo eleito tem apresentado, fica mais difícil atrair bons nomes técnicos para compor o segundo escalão do Ministério da Fazenda, como o petista já afirmou que quer fazer, assim como foi com Antonio Palocci em seu primeiro mandato.
Estadão