Contas no Twitter de um coronel e três generais da ativa fizeram as publicações durante a campanha eleitoral e depois da eleição do petista; um deles acusou ‘Xandão’ de favorecer o ‘Chuchu’; iniciativa contraria regra das Forças Armadas
Caro leitor,
não foram só os comandantes das Forças Armadas que se manifestaram sobre os protestos contra a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), as urnas eletrônicas e as decisões judiciais que excluíram das redes sociais perfis de bolsonaristas que questionaram sem provas apenas o resultado da eleição presidencial. Outros militares da ativa voltaram a fazer ou compartilhar publicações de caráter político-partidário em redes sociais.
Um dos mais ativos é o coronel Alberto Ono Horita, que comandou o 20.º Batalhão de Logística Paraquedista do Exército, foi adido militar nos Emirados Árabes e hoje dirige o Colégio Militar de Curitiba. Em 2019, quando o general Edson Leal Pujol fez publicar portaria na qual disciplinava o uso das redes sociais, o coronel Horita mantinha uma conta no Twitter com seu sobrenome. Ali – conforme o Estadãorevelou – ele publicou o que seria a diferença entre um petista e um membro do PSOL: “Dê para eles um pouco de capim. Quem fumar é do PSOL e quem comer é do PT”.
Em outra publicação, o militar escreveu: “Se diploma fosse prova de inteligência, não teríamos professores gritando ‘Lula livre’” – o petista ainda estava preso na época. Desde então, sua conta no Twitter registrava pouquíssimas publicações. Tudo mudou no dia 17 de setembro. Na conta do coronel, agora sob o nome de Patriota_PQD (abreviação de paraquedista), aparece naquele dia uma mensagem compartilhada sobre uma bolsonarista infiltrada em uma manifestação do “nine”. Nine é uma alusão a Lula, que teve um dedo amputado em uma prensa quando era torneiro mecânico.
Seguem-se 13 publicações de caráter político-partidário até o dia 30 de outubro, quando a conta do coronel registra o seguinte desabafo: “Vergonha! A mentira prevalece! O crime compensa! Esse é o Brasil!” No dia seguinte à derrota de Bolsonaro, o coronel retuitou uma publicação com a foto de Jair Bolsonaro, onde se lê: “Jair Bolsonaro é um líder espetacular, independente do que aconteça, devemos respeitá-lo por resgatar nosso patriotismo e nos dar a chance de lutar. Obrigado, capitão”.
Nos dias seguintes, foram mais 39 publicações onde o presidente eleito e futuro comandante em chefe da Forças Armadas é chamado de “ladrão” e “descondenado” e nas quais se propagam acusações sem provas de fraude nas urnas eletrônicas e ofensas aos ministros do Supremo Gilmar Mendes, Luís Roberto Barrosoe Alexandre de Moraes. Contra este último, a conta do coronel afirma ao compartilhar um vídeo sobre as urnas: “Que beleza Xandão! Fez tudo para colocar seu amigo Chuchu!!!!” Xandão é uma referência a Moraes e Chuchu ao vice-presidente eleito Geraldo Alckmin.
Neste fim de semana, o paraquedista compartilhou publicação do pastor Silas Malafaia sobre fraudes em urnas eletrônicas e outra com uma suposta certidão da Justiça Federal na qual constaria que o presidente eleito responde a diversos processos. Por fim, diz que as eleições foram roubadas. Tudo isso mostra que, de fato, quem se acha no direito de aplaudir, no dia seguinte pode pensar que tem o direito de vaiar. O coronel deve dar explicações sobre as tais publicações – esta coluna tentou localizá-lo, mas não conseguiu.
O perfil do coronel não foi o único no Exército que fez publicações ou compartilhou publicações críticas às decisões de Moraes durante o período eleitoral. O comandante de uma Divisão de Exército retuitou um artigo assinado pelo comentarista Paulo Figueiredo Junior, no qual dizia explicitar “censura sob a qual o Brasil vive”. Era 24 de outubro. O mesmo fez outro general de divisão, subchefe de uma estrutura militar em Brasília, ao compartilhar outra publicação de Figueiredo Filho sobre a “censura” à rádio Jovem Pan. Era 20 de outubro.
O TSE havia derrubado contas de políticos bolsonaristas na internet porque supostamente divulgaram fake news contra as urnas eletrônicas em um momento em que as pesquisas eleitorais indicavam a vitória de Lula no segundo turno. A Corte ainda agira contra a rádio Jovem Pan, impondo multa a seus comentaristas caso voltassem a usar termos como “descondenado” ou “ladrão” para se referir ao candidato petista.
As publicações dos generais, no entanto, não teriam caráter partidário explícito nem a crítica à decisão judicial estava relacionada ao Ministério da Defesa. Ambos podem dizer que expressavam preocupações com a manutenção das liberdades constitucionais – um sentimento compartilhado pela maioria dos oficiais generais da ativa e da reserva. O primeiro general não se identifica como militar nem usa farda na foto de perfil – o segundo se diz militar, sem exibir o posto. Os dois ficam no limite de uma manifestação política, ainda que seus críticos possam classificar como “inconveniente” ou “impróprio” o compartilhamento de tais publicações.
Um pouco além daquelas são as registradas no perfil de um terceiro general de divisão, um engenheiro militar. Ele compartilhou várias publicações em solidariedade à rádio Jovem Pan. Em uma delas, no entanto, o texto descamba para uma manifestação partidária. Trata-se de um tuíte feito pelo comentarista Rodrigo Constantino: “Um bom teste para todos os comentaristas compartilharem essa imagem. Quem se recusar veste mais a camisa do PT do que a da JP”. A publicação é de 19 de outubro.
Em 4 de novembro, o general fez mais uma publicação em que citava o partido do presidente eleito. A manchete dizia: “PT quer mudar diretrizes das Forças Armadas, admite Genoíno”. E, no dia 15, o general republicou o último tuíte do general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, no qual o militar defende os manifestantes que ocupam as frentes de quartéis e critica a imprensa por, supostamente, não dar a cobertura esperada aos fatos. O general é uma das 56 pessoas seguidas pelo perfil de Villas Bôas no Twitter.
No caso das críticas às decisões que censuraram perfis na internet, os generais se adiantaram ao sentimento expresso em nota oficial divulgada pelos comandantes das Forças Armadas. Mas estes evitaram críticas diretas ao futuro presidente e ao seu partido, assim como ao resultado das eleições, embora tenham defendido a legalidade dos protestos. Quando o Grande Mudo fala, ele é o coro de muitas vozes.
Mas há riscos. No fim de semana, os manifestantes atacaram a tiros o posto de uma concessionária de uma estrada em Mato Grosso. O local foi incendiado. Trata-se do sexto episódio grave de violência envolvendo os protestos. A Justiça expediu mandado de prisão contra um dos acusados de promover as arruaças. Essa escalada mostra que a leniência com a baderna pode trazer consequências graves para a ordem pública.
Se é verdade que certas expressões não devem frequentar o linguajar de um magistrado, elas também não podem sair da boca de um oficial da ativa do Exército Brasileiro. É impensável chamar publicamente o futuro chefe de “nine” ou “ladrão”. Ou acusar um ministro do STF de ajeitar as coisas para o Chuchu. Um oficial deve saber que seu ato pode lustrar ou deslustrar a imagem do Exército. Esta não é uma instituição só dos 58 milhões de brasileiros que votaram em Bolsonaro, mas também dos 60 milhões que escolheram Lula.
É preciso lembrar que a preservação da higidez das instituições é tarefa de todos os seus integrantes e não apenas do comandante? Ou de que isso serve para oficiais, magistrados, procuradores, jornalistas, empresários; enfim, para todos os que sabem que ninguém está acima da lei? Houve uma eleição no Brasil. Goste-se ou não do resultado. Quem ganhou, governa; e quem perdeu fiscaliza o futuro governo. Em 2026, haverá nova eleição. Assim é nas democracias.
Estadão