Foto: Wilton Santos/Estadão.
A economista Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), considera que o atual debate sobre a PEC da Transição carece de algo elementar para o avanço desse tipo de proposta – um mínimo de realismo.
Ela considera que um déficit no setor público em 2023 é inevitável. Tal rombo, aliás, está previsto no orçamento preparado pelo atual governo e foi fixado em 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB). E há tempos, acrescenta a pesquisadora, sabe-se que esse percentual teria de ser encorpado.
“Mas o que se esperava era um buraco de no máximo R$ 100 bilhões”, diz. “O problema é que a proposta oficial do novo governo dobrou esse valor, chegando a quase R$ 200 bilhões, e por tempo indeterminado. Em cinco anos, isso representaria 10% do PIB, algo impensável.”
Silvia Matos, no entanto, acredita na existência de ao menos um bom ponto de partida para esse debate. Qual e por quê? É o que ela conta, a seguir, em entrevista ao Metrópoles.
Qual pode ser o ponto de partida para as discussões sobre a PEC da Transição?
Uma proposta interessante sobre o tema foi apresentada recentemente pelo senador Tasso Jereissati [PSDB-CE]. Ela prevê um aumento de gastos de R$ 80 bilhões anuais, mas restrito às demandas sociais, e com travas. O projeto mostrou que, com essa quantia, dá para fazer muita coisa. É possível pagar o Auxílio Brasil em 2023, dar um reajuste do salário mínimo de 1,4%, pagar a merenda escolar, zerar a fila do Sistema Único de Saúde, manter o programa Farmácia Popular, além de garantir verbas para a cultura, ciência e tecnologia.
Se é possível fazer isso com R$ 80 bilhões, por que R$ 200 bilhões?
Essa foi uma discussão totalmente política. Ninguém fez conta para isso. Nem os economistas do PT acreditam que esse seja o valor necessário para a elevação dos gastos. Existem aí pelo menos R$ 100 bilhões que ninguém sabe para aonde iriam. E quando a gente olha para o passado, para as gestões do PT, vê que foram feitos muitos investimentos ruins sob o ponto de vista da alocação de recursos. O risco é o governo fazer obras. Pelo menos metade delas tem projetos equivocados e ficam paradas. O projeto do Tasso também aborda essa questão do investimento.
Como?
Hoje, metade dos recursos para investimentos públicos no Brasil vem das emendas de parlamentares, as emendas do relator. E são coisas paroquiais, pulverizadas. É um hospital que recebe um equipamento que nem tem condições de usá-lo e coisas assim ou piores. A proposta do senador tenta canalizar esse dinheiro para programas sociais existentes, mais bem-planejados, sem tirar o poder dos parlamentares. Tenta conciliar essas duas coisas.
Você destacou que, em cinco anos, esses R$ 200 bilhões representariam 10% do PIB. Por que isso é um problema?
À primeira vista, a elevação dos gastos é uma coisa boa para o PIB, mas depende de como é feita. Sem controle, a dívida cresce de tal forma que pode se desestabilizar. Aí, o mercado vai dizer para o governo: “Está bem, eu rolo seus débitos, mas você vai ter de me pagar juros bem maiores”. Enfim, é um tiro pela culatra. Nesse caso, o país cresce menos e o governo tem de voltar atrás e fazer mais cortes. E também é muito equivocado esse discurso segundo o qual não gastar no social é favorecer os ricos.
Por quê?
Porque, se as coisas fugirem de controle, os mais ricos sempre têm como se proteger de problemas como a inflação. Eles não perdem dinheiro. Investem fora do Brasil ou em renda fixa. É isso o que sempre acontece no país quando os juros estão muito altos. Já os pobres não tem o que fazer. Na prática, a atual versão da PEC da Transição não contempla necessidades sociais. Ela só desestabiliza o futuro do país.
Créditos: Metrópoles.