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No final de outubro, o publicitário Mateus Bandeira, de 28 anos, alugou um apartamento em Campinas para assistir a um show do cantor pop Jão. Ficaria por apenas uma noite. Ao chegar, lembrou de um tutorial que assistiu meses antes sobre como localizar câmeras escondidas em imóveis de plataformas de hospedagem e resolveu explorar, sem expectativa de encontrar uma. Com a lanterna do celular, jogou luz na superfície dos equipamentos eletrônicos, onde em tese poderiam estar camufladas. Quando mirou no relógio digital, na frente da cama do casal, achou uma câmera espiã.
“Minha primeira reação foi tirar da tomada e cobrir com uma toalha. A câmera tinha uma espécie de infravermelho na lente para filmar no escuro. Fiquei com a sensação de estar sendo espionado, de que o dono sabia que eu havia descoberto”, conta.
O acaso ganhou o noticiário e se revelou uma prática disseminada na internet em que cresce um mercado clandestino de imagens íntimas. O jornal GLOBO identificou chats no Telegram que cobram de R$ 10 a R$ 20 para dar acesso a salas secretas com vídeos feitos sem autorização. O fetiche é explorado no marketing de um dos grupos que atrai voyeurs para um conteúdo VIP com cenas reais com câmeras escondidas em quartos de hotéis, motéis e banheiros.
“Vídeos tirando a roupa, vestindo a roupa, transando, roçando, tudo natural”, avisa o anúncio. Em outro, taras de observação são satisfeitas com promessas de se assistir a vídeos gravados em salas de depilação de clínicas de estética, em banheiros e provadores de lojas. Além, é claro, dos habituais flagrantes de casais de férias em quartos alugados em plataformas de hospedagem. A propaganda sublinha: “Flagrantes maravilhosos”. Há acervos tão ecléticos que contam com mais de 3,9 mil vídeos catalogados.
O publicitário só começaria a puxar o fio dessa prática ilegal depois do show. Até lá, só saía do quarto com a mochila e itens pessoais. Ao fim do passeio, ele gravou um vídeo, que no primeiro dia já tinha 1 milhão de visualizações, orientando as pessoas a ficarem “espertas” ao alugarem quartos por aplicativos de hospedagem e mostrou um pouco sobre o golpe em que quase caiu. Ao voltar para sua cidade, Mogi Guaçu, em São Paulo, ligou para o Airbnb e foi à polícia. Bandeira conta que o anúncio do anfitrião indiscreto saiu do ar e ele teve o dinheiro da locação devolvido. Na última semana, no entanto, ele conta ter sido informado de que o anúncio do apartamento estava ativo de novo. O caso foi encaminhado para a delegacia de Campinas, mas a investigação não deverá ser aprofundada porque, ao fim, não houve captura de imagens íntimas do hóspede. Bandeira acredita que a denúncia, apesar da gravidade, não deve dar em nada:
Durante uma temporada no Rio de Janeiro, as tatuadoras Ana Lúcia Guimarães Bezerra e Júlia Stoppa, de 26 e 34 anos, se depararam com um “olho indiscreto” em cima do armário de um quarto em Copacabana, onde ficariam hospedadas por alguns dias. O casal, de Goiânia, se arrumava para ir à praia quando um brilho estranho no móvel sobre a porta chamou a atenção. Era uma câmera com localização estratégica, em frente à cama. Elas quebraram o aparelho, foram à delegacia e gravaram vídeos de alerta para outros usuários.
O Airbnb ofereceu um voucher, e elas foram para outro apartamento. Mesmo com a denúncia, o anfitrião pediu uma indenização de R$ 10 mil por uma televisão, que segundo elas já estava danificada, e por peças acrílicas do banheiro que de fato foram destruídas na busca por mais câmeras. Uma funcionária da plataforma as orientou a não fazer o pagamento, mas a cobrança permaneceu ativa. Em nota, o Airbnb informou que “possui políticas rígidas sobre o uso de dispositivos de monitoramento nas acomodações e toma as medidas necessárias quando um problema é relatado, além de oferecer suporte aos hóspedes e colaborar com as investigações”. Garantiu ainda que câmeras de vigilância e dispositivos de monitoramento de ruído são permitidos desde que tenham sido divulgados na descrição do anúncio e nunca podem ser instalados em banheiros ou quartos. E assegurou que removeu perfis de anfitriões dos casos denunciados em Campinas e no Rio de Janeiro e negou o pedido de indenização.
O advogado Ivan de Franco, doutorando em processo penal na USP e sócio do Mudrovitsch Advogados, explica que a prática envolve dois possíveis crimes: registro não autorizado da intimidade sexual, que abrange inclusive nudez; e invasão de dispositivo informático, previsto na Lei Carolina Dieckmann, no caso do mercado de venda de imagens no Telegram. Em 2011, um hacker invadiu o computador da atriz e divulgou fotos íntimas. O advogado destaca que, desde então, a criminalidade evoluiu, criando dificuldades na aplicação da lei. Com informações de O Globo.