Pouco mais de 1 mês depois das eleições, milhares de manifestantes do “lado perdedor” continuam nas ruas para contestar os resultados das urnas, evidenciando que a divisão política do país sugere uma fragilidade intrínseca do governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um cenário muito diferente daquele de 2002, quando o petista assumiu o Executivo pela 1ª vez por clamor popular, e não por rejeição a um 2º candidato.
Esse quadro fica ainda mais explícito se analisarmos a composição do Congresso Nacional. O Centrão (PL, PP, União Brasil e Republicanos) tem o potencial de alcançar 256 votos, considerando também a adesão de partidos nanicos. Legendas de centro, como MDB, PSDB e PSD reúnem 87 deputados, enquanto a federação de esquerda soma 124 cadeiras.
Ou seja, é um Congresso majoritariamente de centro-direita, reformista e possivelmente mais liberal na economia que o anterior. Diante do empoderamento do Poder Legislativo, que inclui o controle do Orçamento Federal e o ritmo da pauta de votações, o futuro governo Lula terá uma dificuldade inédita em negociar nesses termos.
Em outra ponta, a reforma partidária tornou muito mais difícil e caro para o futuro governo construir uma base congressual sólida. Não terá a segurança de que uma bancada de centro-direita que venha a se tornar governista assegure uma unidade em votações de interesse.
Nesse contexto, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) apresentada na última semana pela equipe de transição é um sinal eloquente da relutância em se governar dentro da nova dinâmica de poder em Brasília. Não só o texto autoriza o estouro do teto de gastos em R$ 198 bilhões para viabilizar promessas de campanha, como prevê dentro disso um espaço de R$ 105 bilhões de movimentação exclusiva do Executivo.
Ao realizar esse movimento, o governo Lula sinaliza que pretende reduzir sua dependência em negociar com um Congresso mais avesso à esquerda. Também sinaliza tanto o desejo de neutralizar a autonomia que as emendas de relator asseguraram ao Congresso, bem como uma perigosa tolerância com medidas inflacionárias.
Há pouco tempo e espaço para consenso para se discutir uma PEC que, na prática, abandona âncoras fiscais e tenta restaurar o antigo presidencialismo de coalizão.
Portanto, no 1º teste do governo eleito, a mensagem é de um cenário de ampliação de gastos públicos em detrimento do controle das contas públicas. O que resta ficar claro até 17 de dezembro é em que medida essa ampla base de direita servirá como um freio à possíveis políticas econômicas de esquerda e se a oposição, hoje nas ruas, irá impactar essa tomada de decisão.
Trocando em miúdos: pela 1ª vez em anos, temos a possibilidade de assistir a um presidente da República ser derrotado antes mesmo de assumir o cargo.
Poder 360