Nos três dias antes do primeiro turno, institutos só acertaram os percentuais dos candidatos mais bem votados em cinco estados
Os institutos de pesquisa se tornaram alvo de questionamentos após o primeiro turno das eleições por causa da diferença entre os resultados das urnas e as projeções para a disputa presidencial feitas nos dias que antecederam o pleito. Os contrastes também foram observados nas disputas estaduais.
Levantamento da CNN com base nas principais pesquisas divulgadas entre 29 de setembro e 1º de outubro mostra que as sondagens erraram os percentuais do primeiro, do segundo ou dos dois candidatos mais votados, fora das margens de erro, em 21 estados e no Distrito Federal.
Nesta quinta-feira (13), o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) determinou a instauração de um inquérito administrativo contra institutos de pesquisa.
O documento pede investigação sobre as pesquisas eleitorais divulgadas para o primeiro turno. O documento está assinado pelo presidente do Cade e diz: “Recentemente, diversos veículos de comunicação têm publicado notícias apontando erros em série nos levantamentos dos institutos de pesquisa sobre as intenções de voto no primeiro turno das eleições de 2022.”
“Os erros foram evidenciados pelos resultados das urnas apuradas, quando se constatou que as pesquisas de diferentes institutos de pesquisa, tais como o DATAFOLHA, IPEC, IPESPE, dentro outros, erraram, para além das margens de erro, nas pontuações em relação a alguns candidatos”, diz trecho da decisão.
O levantamento da CNN mostra que, em sete estados, as pesquisas erraram a ordem do primeiro e segundo candidatos. Os números foram compatíveis com o resultado das urnas em cinco estados: Acre, Alagoas, Maranhão, Paraíba e Tocantins. Foram consideradas as pesquisas Datafolha, Ipec, Ipespe, Quaest, RealTime Big Data e Atlas.
Em São Paulo, por exemplo, dentre as sete principais pesquisas divulgadas no período, nenhuma apontava que Tarcísio de Freitas (Republicanos) ficaria à frente. O candidato recebeu 42,32% dos votos; Fernando Haddad (PT), 35,70%. Já o atual governador, Rodrigo Garcia (PSDB), ficou com 18,4%.
A pesquisa do instituto Datafolha divulgada no sábado (1º) mostrava Haddad à frente, com 39% dos votos válidos, seguido por Tarcísio, com 31%, e Rodrigo, com 23%. O levantamento tinha margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos.
O cientista político Renato Dolci observa que as maiores surpresas aconteceram no Sudeste. “No geral, as pesquisas acertaram mais no Nordeste do que no Sudeste. Existe uma onda conservadora no Sudeste que os institutos não conseguiram pegar”, afirma.
No Nordeste, contudo, também houve surpresas. Na Bahia, entre as três principais pesquisas divulgadas na véspera da eleição, apenas a da Atlas apontou que Jerônimo Rodrigues (PT) terminaria na frente. O petista ficou próximo de vencer no primeiro turno, com 49,45%. ACM Neto (União Brasil) recebeu 40,80%.
Em 1º de outubro, o Ipec e o Datafolha indicavam 51% das intenções para ACM Neto – ambos com dois pontos percentuais de margem de erro. Em relação a Jerônimo, o Ipec apontava 40% das intenções de votos válidos, e o Datafolha, 38%.
Os resultados no Sul e no Sudeste
Não foi só em São Paulo que o candidato ligado ao presidente Jair Bolsonaro (PL) foi subestimado pelas pesquisas. No Rio de Janeiro, as pesquisas Ipec, Datafolha e Atlas do dia 1º não traziam a possibilidade de reeleição de Cláudio Castro (PL) no primeiro turno. Esse cenário só foi previsto pela Genial/Quaest, dentro da margem de erro.
Castro foi reeleito com 58,66% dos votos; Marcelo Freixo (PSB) registrou 28%. Pesquisa Datafolha, por exemplo, mostrava o governador à frente, com 44% dos votos válidos. Marcelo Freixo (PSB) estava com 35%. A margem de erro era de dois pontos percentuais.
No Espírito Santo, a pesquisa TV Gazeta/Ipec divulgada no dia 1º apontava Renato Casagrande (PSB) reeleito em primeiro turno, com 59% dos votos válidos; Carlos Manato (PL) tinha 25%. A margem de erro era de três pontos percentuais. O estado, porém, terá segundo turno entre o atual governador, que obteve 46% dos votos válidos, e Carlos Manato (38%).
Na região Sul, nenhuma das três principais pesquisas divulgadas entre os dias 30 de setembro e 1º de outubro apontavam o ex-ministro Onyx Lorenzoni à frente do ex-governador Eduardo Leite. As sondagens consultadas foram Ipec, RealTime e Atlas.
Lorenzoni teve 47% dos votos; Leite, 26%. A pesquisa RBS/Ipec para o estado, divulgada na última sexta-feira (30), mostrava o ex-governador com 40% dos votos válidos, e o ex-ministro, com 30%.
Os resultados no Nordeste
À exemplo do que aconteceu na Bahia, outros petistas apresentaram desempenho acima dos projetados em pesquisas nas vésperas.
No Ceará, Elmano de Freitas (PT) foi eleito em primeiro turno, com 54% dos votos. Entre os institutos que divulgaram pesquisas nas vésperas, apenas a Atlas previa essa possibilidade. As pesquisas RealTime, Ipec e Ipespe apontavam que o petista disputaria o segundo turno com Capitão Wagner (União Brasil).
O fenômeno se repetiu no Piauí. A pesquisa TV Clube/Ipec do dia 30 de setembro apresentava Rafael Fonteles (PT, 47%) empatado tecnicamente com Silvio Mendes (União Brasil, 48%). Porém, o que se viu nas urnas foi a vantagem do petista, que venceu no primeiro turno com 57,17%. Mendes teve 41,62%.
Cenários imprevistos
Em alguns casos, o cenário projetado pelos institutos para o segundo turno não se confirmou. No Mato Grosso do Sul, a sondagem TV Morena/Ipec do 1º de outubro colocava o candidato André Puccinelli (MDB) à frente, com 31%. Eduardo Riedel (PSDB), Marquinhos Trad (PSD), Capitão Contar (PRTB) e Rose Modesto (União Brasil) apareciam na sequência em empate técnico.
Puccinelli, líder das pesquisas, acabou com 17%. O segundo turno será disputado entre Capitão Contar (26%) e Eduardo Riedel (25%).
Um cenário parecido foi observado em Santa Catarina. Segundo o levantamento NSC Comunicação/Ipec realizado no dia 30, disputariam o segundo turno Jorginho Mello (PL, 29%) e o candidato à reeleição, Carlos Moisés (Republicanos, 23%). Décio Lima (PT) era o quarto com mais intenções de votos, com 15%. A margem de erro era de três pontos percentuais.
O segundo turno será definido entre Jorginho Mello, que recebeu 38% dos votos — nove pontos percentuais acima do previsto pelo Ipec —, e Décio Lima, que ficou com 17%.
Em Pernambuco, a pesquisa TV Globo/Ipec do sábado mostrava Marília Arraes (Solidariedade) à frente, com 38% dos votos válidos, seguida por um empate entre Raquel Lyra (PSDB) e Miguel Coelho (União Brasil), cada um com 17%. A margem de erro era de três pontos percentuais. Nas urnas, Arraes teve 23% (15 pontos abaixo do previsto na pesquisa); Lyra, 20% (dentro da margem de erro).
Os resultados para o Senado também apresentaram contrastes com as pesquisas. Em São Paulo e no Rio Grande do Sul, por exemplo, as principais sondagens erraram o escolhido pela população.
No maior colégio eleitoral do país, somente a pesquisa Atlas apontava Marcos Pontes (PL) à frente — mas tecnicamente empatado com Márcio França (PSB). Nas urnas, o ex-ministro obteve 49% dos votos válidos; o ex-governador ficou com 36%.
Já no Rio Grande do Sul, todas as principais pesquisas divulgadas nas vésperas apontavam Olívio Dutra (PT) à frente de Hamilton Mourão (Republicanos). O vice-presidente terminou o pleito com 44% dos votos; o ex-governador, 37%.
O cientista político Renato Dolci afirma que as imprecisões para o cargo de senador são mais recorrentes. “No Senado, sempre é mais difícil acertar. Existe uma granularidade maior e muitos eleitores acabam decidindo de última hora. De fato, os institutos erraram muito para esse cargo”, comenta.
O que dizem os institutos
A CNN contatou os institutos citados para que comentassem o tema.
Andrei Roman, CEO da Atlas, disse considerar o desempenho do instituto nas pesquisas como “excelente”, afirmando ser o que “mais chegou perto na eleição presidencial”, obtendo a “melhor previsão da diferença entre Lula e Bolsonaro no âmbito de estado por estado”.
Já o Ipec disse reforçar o “compromisso de buscar soluções que eventualmente possam ser agregadas ou consideradas em conjunto com a sua metodologia e procedimentos operacionais”, mas que esse processo “ requer tempo” e cita o desafio de divulgar dados “de uma eleição onde a divisão do país representa uma maior dificuldade em se fazer estimativas”.
Por meio de nota, o Datafolha afirmou que entende que as pesquisas não podem ser lidas como uma previsão do resultado da votação, mas sim retratar as preferências eleitorais no momento em que são feitas. Diferentes abordagens de diferentes institutos mostraram as mesmas tendências ao longo das semanas que antecederam a votação.
Ainda de acordo com o instituto, seus levantamentos sempre mostraram Lula (PT) à frente, e que seu adversário mais próximo sempre foi Jair Bolsonaro (PL). Esses dois candidatos sempre tiveram, também, os votos mais cristalizados, enquanto Ciro Gomes (PDT), por exemplo, tinha 41% de eleitores que poderiam mudar de voto até o dia da eleição.
Os demais institutos ainda não responderam.