Institutos de pesquisas que erraram nas intenções de voto para o primeiro turno das eleições precisam ser investigados e podem até ser responsabilizados criminalmente, de acordo com Adriano Soares da Costa, ex-juiz de Direito, autor do livro “Instituições de Direito Eleitoral” (2006). Para Costa, os números divulgados por órgãos como Datafolha e Ipec foram “a maior fake news” das eleições.
“Em tempos do combate às fake news, que foi colocado inclusive como uma bandeira, como uma premissa tão relevante para a integridade do processo eleitoral, a maior fake news nasceu das pesquisas eleitorais, publicadas inclusive às vésperas da eleição”, diz.
Na visão de Costa, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem o dever de se manifestar sobre o assunto. “Deveria haver interesse inclusive do Tribunal Superior Eleitoral, que tanto enfatizou o combate às fake news, de compreender esse fenômeno. O eleitor está sendo induzido a um cenário criado de modo artificial, ludibriando a boa-fé pública, e isso precisa ser respondido”, observa. “Estamos em um período em que se fala tanto sobre fake news, que as fake news interferem no processo eleitoral e devem ser combatidas… E quando as pesquisas eleitorais se apresentam tão disparatadas em relação ao processo eleitoral, depois de apurado? Essa é uma discussão que cabe ao TSE enfrentar. O Ministério Público Eleitoral deveria discutir a matéria e deveria abrir um processo investigatório sobre isso.”
O jurista também diz que as pesquisas podem ter ferido o princípio da boa-fé objetiva, previsto no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. “Imaginemos o cidadão como consumidor das pesquisas eleitorais. Há um vício no produto. Se a fotografia do momento me é apresentada por uma pesquisa como a realidade em que nós, em tese, nos encontramos agora, e se as pesquisas são absolutamente divergentes com essa realidade, então nós estamos diante de um vício do produto. E isso precisa ser analisado, porque há o princípio da boa-fé objetiva, da boa-fé nas relações sociais e econômicas, que é um princípio importante, que rege todos os âmbitos do Direito. E no Direito Eleitoral isso é fundamental.”
Um dos indícios que apontam para a necessidade de investigação, na opinião de Costa, é que o erro teve viés ideológico. “O que é muito estranho é que as pesquisas erram para um lado. Isso é que é um ponto que chama a atenção. Há um erro de viés ideológico. Se há um erro assim, talvez não seja incompetência. Pode haver método, e esse método precisaria ser exposto”, comenta.
Os órgãos de imprensa que divulgaram as pesquisas também podem ser incluídos nas investigações e, se agiram de má-fé, podem ser responsabilizados criminalmente, especialmente se divulgaram notícias com o objetivo de ludibriar os eleitores sobre a realidade. “Os contratantes que divulgam as pesquisas podem também ser investigados”, diz. “Órgãos de imprensa transmitem isso como fatos, como se fosse uma realidade empiricamente comprovada, cientificamente comprovada, que geram uma discussão de opinião na sociedade, como se estivéssemos diante de fatos. Pode haver consequências para os veículos de comunicação, também.”
Segundo Costa, um dos problemas que tornam necessária uma investigação é que as pesquisas podem acabar sendo “instrumentos de manipulação da vontade do eleitor na caça do voto útil”. “Qual é a função social de uma pesquisa eleitoral? Demonstrar um extrato da realidade, do ponto de vista estatístico, que seja um retrato o mais próximo possível do cenário da intenção de votos. Se as pesquisas não servem para isso, para que serviriam? Ou a gente defende que as pesquisas eleitorais têm esse sentido, ou elas não servem para nada, a não ser para induzir erradamente o eleitor e ser mera peça de propaganda e manipulação. Se elas não têm esse valor, não devem mais existir, porque terminam sendo instrumentos de manipulação da vontade do eleitor na caça do voto útil”, comenta.
No caso de candidatos que tenham se sentido lesados com as pesquisas, segundo Costa, “é possível entrar com ação questionando as pesquisas, para apreciar os dados e saber se os institutos de pesquisa não estão agindo de má-fé para beneficiar alguma candidatura”. “Aqueles que se sintam prejudicados podem ingressar com uma ação de investigação judicial eleitoral, por uso indevido dos meios de comunicação social, em que as pesquisas se inseririam, em tese, numa tentativa de desequilibrar a disputa eleitoral em favor de dada candidatura”, conclui.