Um crustáceo encontrado no litoral brasileiro foi identificado e considerado uma nova espécie do animal conhecido como ‘camarão corrupto’. Pesquisadores conseguiram provar, após quatro anos de estudo, que o camarão brasileiro é diferente daquele que vive nos Estados Unidos. O resultado da pesquisa colocou um fim em uma polêmica cientifica que se arrastava há quase quatro décadas. Além disso, o levantamento apontou que existem ainda mais duas novas espécies desse animal, que ainda não foram descritas.
O estudo foi realizado no Instituto de Biociências do Câmpus do Litoral Paulista (CLP) da Unesp e conduzido pelo biólogo marinho chileno Patrício Hernáez, com a supervisão do professor Marcelo Pinheiro. A pesquisa contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O biólogo chileno realizou três expedições em praias do norte ao sul do Brasil. Ele coletou mais de mil amostras de crustáceos entre os anos de 2015 e 2018. Os animais popularmente são chamados de ‘camarão corrupto’. O nome foi dado por pescadores de Santos para designar um crustáceo bastante usado como isca para pesca na costa brasileira.
O biólogo chileno realizou três expedições em praias do norte ao sul do Brasil. Ele coletou mais de mil amostras de crustáceos entre os anos de 2015 e 2018. Os animais popularmente são chamados de ‘camarão corrupto’. O nome foi dado por pescadores de Santos para designar um crustáceo bastante usado como isca para pesca na costa brasileira.
O apelido é relacionado a corrupção, que existia em grande quantidade, mas era mantida em segredo, o que inviabilizava a captura dos criminosos. O mesmo acontece com esses animais, que existem em grande quantidade, mas pouco aparecem e eram difíceis de capturar.
Ao caminhar nas praias de Santos e São Vicente, é possível observar, a beira-mar, o crustáceo emergindo por uma fração de segundo. Após o recuo da maré, ele deixa um pequeno buraco na areia úmida. Os pescadores usam uma bomba manual de sucção, à base de cano de PVC, para capturá-lo.
O animal ganhou projeção, entre os anos de 1960 e 1990, por conta das pesquisas do biólogo Sérgio de Almeida Rodrigues, da USP. Ele detectou diferenças morfológicas entre o camarão encontrado nas praias do Brasil com aquele identificado no estado da Flórida, nos Estados Unidos, descrito em 1818 e foi denominado Callichirus major. O mesmo nome era utilizado para designar todas as populações da costa brasileira.
Identificação
O biólogo brasileiro, apesar de identificar diferenças, não teve tempo de descrever a nova espécie. “O problema é que as características que ele levantou foram demasiadas variáveis e isso não permitiu validar a pesquisa dele. Ele não conseguiu publicar esse resultado e continuou-se chamando Callichirus”, explica Hernáez.
Já as análises das amostras do biólogo chinelo permitiram apontar, pela primeira vez, as características do animal encontrado na costa do Brasil. Ele e os demais pesquisadores usaram a biologia molecular. Eles compararam o sequenciamento genético das amostras brasileiras com as americanas, que estão no Museu de História Natural de Washington, nos Estados Unidos, e com um material existente no Museu de Zoologia da USP.
Uma marca digital distingue a espécie brasileira daquelas que estão distribuídas na costa dos Estados Unidos, no Golfo do México, no Caribe e no Caribe colombiano. Segundo o biólogo, a espécie brasileira possui diferenças morfológicas, entre outras, no pedúnculo ocular, no pedúnculo antenular e no quelípodo (“pinça”), tanto no macho como na fêmea.
“É a região anterior da cabeça, que é chamado assim em camarões, e que possui dois pares de antenas. Entre o primeiro par de antenas existem os pedúnculos oculares, onde estão os olhos dos animais”, explica ele. “Parece algo bem complexo, mas é fácil de entender quando você observa as figuras”, comenta o biólogo.
Com isso, uma nova espécie surgiu e foi batizada de Callichirus corruptus, sendo a mais frequente e dominante no litoral brasileiro. Antes da identificação, consideravam-se quatro espécies distintas do gênero Callichirus no mundo. Um distribuída da costa da Flórida para o norte dos Estados Unidos, outra do Golfo do México para o sul até o Caribe colombiano, uma do Panamá até o Golfo da Califórnia (Oceano Pacífico) e outra na costa brasileira.
Com a identificação, o animal brasileiro não é mais considerado da espécie Callichirus major, aquela encontrada nos Estados Unidos. Já os outros dois animais do gênero Callichirus, presentes no Golfo do México e no Oceano Pacífico, ainda precisam ser descritos.
A zona de ocorrência de Callichirus corruptus é do Pará a Santa Catarina, mas possivelmente esteja também distribuído na costa da Guiana e da Venezuela, segundo o biólogo. Porém, ainda não foi possível comparar o material com aquele coletado na Venezuela.
Papel ecológico
O camarão corrupto é próprio de praias com areias de grãos finos ou médios. O biólogo explica que a espécie têm um papel ecológico muito relevante pois esses animais são consumidores de matéria orgânica.
Eles constroem um sistema de galerias sob a areia. Com esse hábito escavador, essa espécie mantém e renova habitats para outros organismos, além de promover o retorno da matéria orgânica e a reciclagem de nutrientes.
Segundo ele, nas praias de Santos, é possível encontrar uma grande quantidade de galerias de camarões corruptos por metro quadrado. “Quanto você caminha, você vê muitos buraquinhos. Isso porque essa praia em particular, está com uma carga de matéria orgânica elevada por causa da grande quantidade de matéria orgânica que chega pelo emissário. Toda essa matéria orgânica ela é limpada pelos camarões corruptos”.
Além de Patrício Hernáez outros três colegas assinam o artigo sobre a descoberta, que foi publicado no periódico científico Journal of Natural History, um dos mais tradicionais no campo da zoologia.
Para ele, conseguir confirmar a predição do professor Sergio Rodrigues e dar o nome pelo qual a espécie ficou conhecida nas praias do Brasil é a grande resultado desse estudo.
“Muitas vezes você não consegue em vida defender algum mistério da biologia e é o caso do professor Rodrigues, que fez uma grande contribuição. Nosso trabalho vem um pouco a reivindicar o trabalho dele e esclarecer aquela dúvida científica que se persistia há mais de 40 anos. Nós contribuímos com um grãozinho de areia”.
Créditos: G1.