Ao contrário de seus concorrentes homens, as candidatas à Presidência Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil) têm evitado, a duas semanas das eleições, mostrar suas famílias na campanha eleitoral.
Nas propagandas, nada ou pouco se vê de seus maridos e filhos. Os familiares também não costumam acompanhá-las ou ter destaque nas agendas de campanha.
Os motivos vão desde o pouco tempo para fazê-las conhecidas ao receio de que os parentes passem a ser alvos de adversários políticos, bem como de internautas nas redes sociais.
Há certo consenso em suas equipes de campanha de que mostrar os familiares não ajuda a trazer votos. Expô-los poderia soar demagogia, e a intenção é retratar as candidatas como mulheres com carreiras profissionais próprias e independentes dos maridos, avaliam.
Tebet: aversão às filhas sob os holofotes
Simone Tebet é casada desde 1996 com Eduardo Rocha, também político do MDB de Mato Grosso do Sul e atual secretário de governo do governador Reinaldo Azambuja (PSDB). O casal tem duas filhas.
No início da carreira, Rocha atuou no gabinete do pai da senadora, Ramez Tebet, ex-ministro, ex-governador sul-mato-grossense e ex-presidente do Senado.
Interlocutores de Tebet afirmam que Rocha é parceiro e o principal apoiador dela, mas uma figura discreta e respeitosa, que não interfere no ambiente da campanha. Também dizem que ela nunca usou ou permitiu o uso das filhas em propagandas.
Segundo um interlocutor, a candidata é uma mãe que preserva acima de tudo a privacidade da família, resguardando-a da luta política.
Ao longo dos anos, Tebet prezou pela vida privada e já admitiu ser um certo sacrifício ter que tirar fotos em que aparece um pouco mais na intimidade, especialmente para as redes sociais. Quando questionada sobre o assunto, já brincou que prefere nem olhar para as eventuais fotos para não se estressar.
Houve menção ao casamento e ao fato de ser mãe no início de suas propagandas eleitorais, mas somente com a intenção de apresentá-la ao público.
Ainda segundo interlocutores, Tebet é uma mulher empoderada, independente, com carreira política própria. Portanto, deve ser retratada como tal, avaliam.
“Ela estrutura seus caminhos com o companheirismo e apoio do marido e das filhas. Mas é a protagonista da sua própria história”, relatou um membro da campanha à reportagem.
Thronicke: mostrar família seria “perda de tempo”
Soraya Thronicke é casada com Carlos César Batista, com quem tem um filho. O casal é dono de motéis no Mato Grosso do Sul. Como advogada, ela se projetou na política a partir das manifestações a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
No programa de estreia da propaganda eleitoral, disse: “Sou casada, mãe, advogada”. Na avaliação da campanha, isso foi suficiente. Com pouco tempo até o primeiro turno e alto índice de desconhecimento de quem é, a estratégia é mostrá-la o maior tempo possível. Mostrar a família seria “perda de tempo precioso”, afirmou um integrante da campanha.
Embora fale da família em entrevistas, a intenção é que as pessoas votem nela pelo o que é e pelo plano de governo apresentado, em estratégia semelhante à de Tebet.
A candidata também se pauta por preservar a família. “Pior do que eu ser alvo, são os seus familiares. A minha família, os meus amigos, as pessoas que me apoiam têm sido xingados lá no meu estado”, já declarou.
As esposas dos presidenciáveis na campanha
Enquanto Tebet e Thronicke optam por não abrir mão da vida privada, é bem provável que a maior parte do eleitorado saiba, a essa altura da campanha, quem são as esposas dos três homens mais bem colocados na disputa.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL) e Ciro Gomes (PDT) têm aparecido com frequência ao lado das esposas e dado espaço para que participem ativamente da campanha eleitoral. Em parte das situações, as mulheres são acionadas para suavizar as imagens deles e tentar atrair votos do eleitorado feminino, que deverá ser decisivo.
Líder das pesquisas eleitorais, Lula aparece frequentemente com a esposa, Rosângela Silva, conhecida como Janja, em eventos e comícios. Além de ser citada em discursos do ex-presidente, a socióloga também participa de programas de campanha e promove interações com eleitores, com forte atuação nas redes sociais.
Em busca da reeleição, Bolsonaro tem a esposa, Michelle, ao lado em uma série de agendas oficiais e de campanha, especialmente quando envolvem evangélicos e mulheres. A primeira-dama ainda tem participado de inserções nas propagandas eleitorais numa tentativa de diminuir a rejeição das mulheres ao presidente.
Já Ciro contou com a presença da mulher, Giselle Bezerra, como coapresentadora em lives que promoveu no início da campanha e faz questão de tê-la ao lado em anúncios e eventos de campanha. Ela também aparece em propagandas eleitorais e ficou entre os termos mais buscados na web após ser citada pelo marido em sabatina.
A tentativa de transpor barreiras
Doutora em ciência política e professora da Universidade de Brasília (UnB), Marina Brito chama a atenção para a maneira como as mulheres costumam ser retratadas na política: de que teriam menos habilidade por supostamente serem mais ligadas à família.
“Elas têm que estar o tempo todo se desvinculando dessa imagem de família para parecerem capazes. Para conseguir passar uma imagem de poder e capacidade, elas precisam inviabilizar os outros aspectos. No caso dos homens, são vistos como capazes naturalmente de gerirem a coisa pública. Isso mostra como o mundo público ainda é desenhado no modelo masculino de vida”, critica.
Segundo ela, há uma “desvalorização do lugar do cuidado”, que é tratado como “algo menor”.
A cientista política Deysi Cioccari também reforça que a política ainda é compreendida como um espaço masculino. Portanto, toda vez que uma mulher entra nesse cenário, é vista “naturalmente como submissa”.
Ela avalia que, quando as mulheres conseguem entrar nesse espaço, a identificação é sempre feita com família, filhos e marido. Quem estiver fora disso não é bem-vinda, diz.
“Quando Tebet e Thronicke decidem não expor esse lado, que é praticamente exigido delas, elas também estão rompendo com essa barreira histórica de imposição do feminino o tempo todo em suas vidas. É como se elas dissessem: ‘Nós podemos entrar nesse espaço de dominação com as mesmas armas que vocês: as ideias’. É uma tentativa fantástica de transpor barreiras masculinas no centro do poder”, pondera.
Na avaliação da professora Marina Brito, no entanto, ao deixaram as famílias em segundo plano como parte da estratégia de campanha, há um movimento de masculinização, ainda que não passem uma imagem física semelhante à dos homens. Ou seja, em uma sociedade machista, as mulheres acabam tendo de abrir mão de um aspecto para se equiparar aos homens na visão do eleitorado.
Cioccari ressalta que os candidatos homens expõem suas mulheres pelo “politicamente correto, porque existe uma estrutura que reforça essa necessidade, apesar de a maior parte da sociedade ainda não ver isso”.
“As mulheres são a maioria do eleitorado, então a única forma de os homens, que não têm efetivamente propostas para as mulheres, fazerem com que elas pensem que estão representadas, é expor suas esposas e, no máximo, dizer: ‘Eu vou criar um ministério para as mulheres’. Tebet e Thronicke estão deliberadamente numa tentativa de fazer política de igual para igual”, complementa.
Brito considera que as esposas são usadas para conquistar o eleitorado feminino especialmente quando o candidato tem histórico negativo de violência moral e de gênero contra as mulheres. Mesmo assim, acredita que, atualmente, há um olhar mais crítico, e o candidato vender um papel de “princesa” não gera sentimento de representatividade automática, ainda mais em um país com população tão diversa como o Brasil.
Créditos: CNN.