Júlia, de 7 anos, Maria, de 9, e Bianca, de 11, (nomes fictícios para proteger a identidade delas) chegaram ao Brasil na última semana. As irmãs desembarcaram com os pais no Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos. Há sete dias, a família que morava no Afeganistão vive num espaço do terminal dois do aeroporto, no segundo andar, ao lado do Posto Avançado de Atendimento ao Migrante da prefeitura, enquanto aguarda vagas em uma instituição de acolhimento do Estado.
Outros 70 afegãos estão dividindo o mesmo espaço do aeroporto. No local, eles usaram cobertores suspensos nos carrinhos de viagem para criar uma espécie de acampamento. Cada espaço, de dois metros quadrados, abriga uma família. O chão foi forrado para que possam se proteger do frio e servir de cama. As horas intermináveis são preenchidas no celular, conectado ao wi-fi do aeroporto. As tomadas recarregam os aparelhos e até fervem água para o chá. As refeições são custeadas e fornecidas pela prefeitura de Guarulhos.
Desde maio, nas contas da prefeitura, cerca de 400 afegãos desembarcaram na cidade. Com o aumento da demanda, o Estado de São Paulo não possui vagas suficientes para acolher todas as pessoas. No município, foi criado um abrigo emergencial transitório com 27 vagas, mas já são 32 pessoas ocupando o espaço.
“A imprevisibilidade dessas pessoas chegarem é o que dificulta o trabalho, então a gente não sabe quando vão chegar. Existem quatro voos diários vindos de lá que só descem em Guarulhos e essas pessoas acabam chegando via demanda espontânea”, disse o secretário de Desenvolvimento e Assistência Social de Guarulhos, Fábio Cavalcante.
Ainda segundo ele, por se tratar de um problema humanitário, a situação é discutida nas três esferas de governo. “Todos os acolhimentos estão lotados devido a demanda, por isso, essas pessoas ficam no aeroporto até a possibilidade de vaga”, explicou o secretário.
Fuga do Afeganistão
A partir da autorização do governo brasileiro para a concessão de visto humanitário aos afegãos, em setembro do ano passado, a procura por viagens ao Brasil para fugir do regime extremista do Talibã disparou. Segundo uma fonte do Itamaraty, desde então, cerca de 4 mil vistos foram emitidos.
A reportagem de Oeste esteve no aeroporto e conversou com Paulo (nome fictício). Os afegãos têm medo de mostrar o rosto ou revelar a identidade porque deixaram parentes no país do oriente médio.
Paulo é advogado e por causa do regime resolveu tentar uma nova vida. “Atualmente, a situação é muito ruim, o país está muito violento”, contou. “As pessoas que discordam do governo extremista são mortas e não há opções”, contou.
Para deixar o país o caminho não é fácil. Os afegãos precisam viajar horas até o Irã ou o Paquistão. De lá, vão até a embaixada brasileira onde fazem o pedido de visto humanitário. Após a emissão do documento, eles usam o dinheiro que têm para comprar uma passagem aérea até o Brasil. O valor do bilhete pode chegar a R$ 20 mil.
“As famílias vendem tudo que conseguem e saem de lá só com as malas trazendo as roupas”, explicou Paulo. Ele veio sozinho. Deixou os pais e a esposa no Afeganistão e espera conseguir um emprego ou montar um negócio no Brasil para receber a família. “Precisamos de suporte no curto prazo para ter alguma oportunidade. Nós queremos ajuda, porque podemos oferecer nosso trabalho”, garantiu.
Tomada de poder
Com a saída das tropas dos Estados Unidos do Afeganistão, em agosto do ano passado, o Talibã retomou o poder no país. Inicialmente, com a formação do novo governo, o regime autoritário prometia “segurança ao povo” e uma versão mais tolerante do código de comportamento do regime. Mas com o passar do tempo, o grupo fundamentalista revelou sua intenção, impondo uma série de restrições ao comportamento dos cidadãos, como a proibição de que mulheres viagem sozinhas ou frequentem a escola, de que funcionários públicos usem barba, entre outras violações dos direitos humanos.
Antes de o regime se reinstalar no país, já havia problemas econômicos gerados pela seca, que dizimou o gado e devastou as plantações. Com a volta do Talibã, a situação econômica piorou ainda mais.
Em agosto, a Organização das Nações Unidas alertou para a situação de calamidade que o país enfrenta. “O Afeganistão está em uma crise humanitária. Mas não é só isso. É uma crise econômica; é uma crise climática; é uma crise de fome; é uma crise financeira”, afirmou o secretário Martin Griffiths.
O jornal Washington Post relatou que o “projeto de construção nacional” dos EUA no Afeganistão, ao invés de promover estabilidade e paz, “inadvertidamente construiu um governo corrupto e disfuncional”.
“As oportunidades de emprego são críticas para muitas famílias afegãs. A condição de meus parentes lá são ainda piores do que a minha aqui”, disse Paulo a Oeste. “Não há emprego, educação, saúde e meios de viver no Afeganistão.”
E no Brasil…
“Só queremos recomeçar e viver em paz”, disse rapidamente outro afegão que abordou a reportagem no aeroporto para pedir que não fosse revelado o rosto de ninguém ali.
Créditos: Revista Oeste.