Karina Bezerra, 26, a mulher que teria sido assassinada pelo chamado “tribunal do crime” do PCC (Primeiro Comando da Capital) após negar beijo a um traficante da facção criminosa em um bar na zona leste de São Paulo, morava com os pais e levava uma vida discreta.
Ela usava o carro próprio para trabalhar como motorista por aplicativo e costumava cuidar de uma idosa que mora no Tatuapé, também na zona leste da capital paulista. Segundo a Polícia Civil, ela foi morta há três semanas, após sair de casa para encontrar um amigo. Áudios atribuídos a suspeitos de envolvimento no crime obtidos pelo UOL indicam como ela foi encontrada e morta.
Vida discreta. Segundo fontes ligadas à investigação conduzida pela Polícia Civil, embora Karina morasse com os pais, eles não tinham contato com amigos e pessoas com as quais ela se relacionava.
Nos últimos quatro meses, Karina aceitou uma oferta para cuidar de uma idosa que morava no Tatuapé, mas só ia para o local quando a filha da mulher viajava a trabalho. Ela trabalhava regularmente como motorista de aplicativo no mesmo carro usado pelos criminosos para sequestrá-la quando a vítima teria sido assediada por um homem que alegava ser traficante do PCC.
Como foi o assédio? O caso ocorreu na noite de 14 de agosto, em um bar no Itaim Paulista, na zona leste da cidade, em frente a um baile funk nas proximidades da favela Córrego do Tijuco Preto.
“[O traficante do PCC] passou a tocá-la, segurar os seus braços, forçando abraços e beijos, mas ela se esquivou de todas as tentativas e começou a se irritar com ele. Inclusive, o xingou e eles passaram a discutir”, diz o relato do boletim de ocorrência ao qual o UOL teve acesso.
A facção [PCC] que se diz contra crimes sexuais obriga mulheres a se relacionarem com os seus integrantes”Pedro Ivo Corrêa dos Santos, da 5ª Delegacia de Investigações sobre Furtos e Roubos a Bancos do Deic
O que o traficante disse em meio à discussão? Após ser rejeitado por Karina, o assediador disse “que ela iria ser a mulher dele, por bem ou por mal, que ele era do PCC e que ficaria com quem ele quisesse”, conforme detalhou a vítima em seu depoimento à polícia, após ter o assédio.
“Não é assim que se trata um irmão [em alusão ao fato de ser ‘batizado’ como membro do PCC]”, teria dito o traficante, de acordo com o depoimento, antes de embarcar no veículo com outros três comparsas. Depois de um trajeto que durou cerca de 15 minutos, Karina foi levada ao cativeiro.
Após resistir às investidas do traficante, que tentou agarrá-la à força, ela disse ter sido sequestrada e mantida em cárcere privado entre a madrugada e a manhã do dia seguinte. Em seu relato, revelou só ter escapado da morte porque policiais militares chegaram ao local. Na ocasião, seis pessoas foram presas em flagrante por sequestro e associação criminosa.
Choro e saída pelos fundos na delegacia. Karina contou como foi mantida em cativeiro por traficantes em depoimento registrado no dia 15 de agosto no 50º DP (Itaim Paulista). Chorou enquanto dizia ter sido amordaçada e amarrada, em um depoimento que durou cerca de sete horas.
Segundo fontes na Polícia Civil, ela ficou nervosa ao ver a chegada da imprensa. Mas foi tranquilizada ao saber que não seria fotografada ou filmava enquanto relatava o seu caso. Karina deixou a delegacia a delegacia pelas portas dos fundos.
Atraída por amigo a sair de casa. Após depor, Karina se manteve isolada na casa dos próprios pais. Só saiu de lá para encontrar com um amigo e possivelmente ir a Taboão da Serra, na Grande São Paulo. Foi a última vez em que foi vista pela família. Há três semanas, o pai dela registrou um novo boletim de ocorrência na delegacia para informar o desaparecimento dela.
Áudios atribuídos a traficantes envolvidos no assassinato obtidos pelo UOL dão detalhes do crime, indicando onde ela foi localizada pelos criminosos. “A menina lá… Certo, mano? Que tava nas mãos dos ‘parceiro’ [sic] que foi em cana. Tá lá no [sic] Taboão da Serra”.
Decisão sobre a morte. Na sequência do áudio, o traficante conta que o homem que dava refúgio a Karina revelou o seu paradeiro a integrantes do PCC na região. “Os ‘irmão’ [como são chamados os criminosos ‘batizados’ pelo PCC] já pulou pra montar um ‘tabuleiro’ [gíria para citar os ‘tribunais do crime’]”.
Um outro suspeito comenta, também em áudio, que Karina contou aos criminosos a mesma versão apresentada em depoimento à Polícia Civil. “Pros ‘irmão’ [sic] do Taboão… Ela tá mandando as mesmas ideia [sic] que ela mandou pra polícia lá, entendeu? Que o (…) vulgo do ‘irmão’. Quis ficar com ela e ela não quis. Os ‘irmão’ [sic], foi, pegou e levou ela pro ‘tabuleiro'”.
Morte na favela de Paraisópolis. Segundo a Polícia Civil, Karina foi assassinada na favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Suspeitas de envolvimento no crime, três pessoas foram presas em flagrante na última quarta-feira (14) pelo Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), indiciadas por tráfico, associação para o tráfico e porte ilegal de arma.
Entre os presos, estava Brendon Soares, 27, apontado pelos investigadores como suspeito de ser o responsável pelo “tribunal do crime” do PCC na favela. Segundo a Polícia Civil, ele admitiu envolvimento no assassinato de Karina, mas não deu informações sobre o paradeiro do corpo. O UOL não conseguiu localizar a defesa do suspeito.
Créditos: UOL.