Faltam menos de duas semanas para cada cidadão brasileiro, apto a votar, exercer seu poder diante da urna. A eleição deste ano é a nona escolha do período democrático mais longo da história da república brasileira. Além disso, vai acontecer 490 anos depois da primeira votação registrada no país, o que é mais um marco na longa história do voto no Brasil.
Foi em 23 de janeiro de 1532, os cidadãos de São Vicente, a primeira vila inaugurada pelos portugueses no Brasil, votaram para eleger indiretamente os oficiais do Conselho Municipal. Essa prática tornou-se comum para escolher representantes locais, como juiz de paz, procuradores e vereadores (responsáveis pela gestão da cidade, que não tinha prefeito).
No entanto, exercer o poder do voto e ocupar cargos de representantes eram direitos somente permitidos aos grandes donos de terras e proprietários de escravos. Em 1881, foi instituído o título de eleitor, mas sem foto do cidadão, o que levou a muitas fraudes.
Somente no período da Independência do Brasil, em 1822, o voto deixou de ser restrito aos municípios. Os acontecimentos ao redor do mundo fizeram com que o processo eleitoral brasileiro fosse visto como algo fundamental na organização da política nacional. Assim, os dirigentes criaram uma estrutura de gestão com um sistema representativo que ampliaria as eleições para deputados e para senadores.
Já em 1889, com a Proclamação da República brasileira, seguida pelo início do presidencialismo, o direito ao voto se estenderia mais. Desse modo, em 1894, o país elegeu pela primeira vez um presidente, o advogado Prudente de Morais.
Morais não foi o primeiro presidente do Brasil, pois anteriormente, em 1889, Deodoro da Fonseca assumiu o posto sem o voto direto e renunciou dois anos depois, sendo sucedido por Floriano Peixoto em 1891. Peixoto ficou no cargo até Morais ganhar as eleições com votos, sendo o primeiro a ser eleito. Neste momento, ainda eram poucas pessoas que poderiam votar.
No século XX, o voto alcançaria as mulheres e logo após os analfabetos. A partir de então, o processo eleitoral brasileiro foi evoluindo, o que tornou o Brasil dono do quarto maior eleitorado do mundo. As urnas eletrônicas, inauguradas em 1996, permitiram a apuração dos votos em questão de horas.
Pensando na importância do voto, Oeste separou os principais marcos dessa história do voto no Brasil.
A história do voto
Anos de 1800
1821 -Ocorre a primeira eleição geral no Brasil, com a escolha de representantes brasileiros (do clero ou da nobreza) para a Corte de Lisboa, em Portugal. Não existe uma única data para votar. São diferentes dias nas freguesias, comarcas e capitais das províncias.
1822 – A primeira lei eleitoral do Brasil é elaborada em 19 de julho de 1882, alguns meses antes da Proclamação da Independência. O texto regulamentou a eleição de uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, composta pelos deputados das províncias. Entretanto, o processo eleitoral aconteceria em duas etapas: os cidadãos “votantes” iriam escolher os eleitores e estes votariam nos parlamentares. Estabeleceu-se assim, o voto indireto que seria usado durante quase todo o período do Império até 1881, marcando um momento importante da história do voto no Brasil.
1824: A primeira Constituição do Brasil (1824) estabeleceu eleições regulares para o Senado e para a Câmara. Contudo, somente homens tinham o direito ao voto (casados ou militares poderiam votar aos 21 anos, os demais somente com 25). Fora isso, os clérigos e bacharéis não tinham idade mínima para votar. Além desses requisitos, era necessário ser um cidadão livre ou liberto e ter a renda mínima de 100 mil-réis para ser votante, e 200 mil-réis para se tornar eleitor.
1828 -Uma segunda lei regula a escolha dos vereadores de juízes da paz. Pela primeira vez na história do voto, é estabelecida uma lista prévia de eleitores aptos a votar (antes, a escolha era livre). Uma multa de 10 mil réis para eleitores inscritos que não comparecem à eleição sem justificativa, também é imposta.
1846 -A partir deste ano, as eleições deveriam ocorrer em um único dia no Império. A renda mínima subiu para 200 mil-réis (votantes) e 400 mil-réis (eleitores).
1855 – Pela Lei dos Círculos é instituído o voto distrital, que divide as províncias em distritos eleitorais e cada um elege seu deputado. O intuito era favorecer a representação das minorias, diminuindo a influência do governo sobre os candidatos eleitos. Contudo, isso foi extinto em 1875.
1881 -A Lei Saraiva foi instituída em 1881. Ela determinava que as eleições para Câmara, Senado e Assembleias Provinciais seriam diretas. No entanto, a qualificação para o eleitor continuava a mesma de 1824. A história do voto mostra que a partir daqui a lei começa a prever qual o tipo de papel que a cédula deveria ser confeccionada e exigia que ela fosse colocada em um invólucro fechado antes de ser colocado na urna.
1882 – O fato de um cidadão estar alfabetizado se torna um critério para o alistamento de novos eleitores, marcando a história do voto.
1889 -No mesmo ano da Proclamação da República, a exigência de renda mínima para exercer o voto é extinta e a idade base diminui de 25 para 21 anos. Todo o estrangeiro que morava no Brasil até 15 de novembro deste ano era considerado brasileiro com direito ao voto. O período é marcado pelo “coronelismo”, em que os coronéis influentes na economia decidiam os votos dos eleitores com os “currais eleitorais”.
1891 – Aqui surge a primeira Constituição da República, de 24 de fevereiro de 1891, que instituiu três Poderes independentes entre si: Executivo, Legislativo e Judiciário. Nesse momento, foi adotado o sistema presidencialista em que o presidente e vice-presidente são eleitos de forma simultânea pelo sufrágio direto, maioria absoluta, para uma gestão de quatro anos, sem a possibilidade de reeleição.
1894 – O advogado Prudente de Morais é o terceiro presidente do país, mas é o primeiro eleito pelo voto direto.
1896 – É permitida a prática do voto descoberto, em que o eleitor deve escrever em um livro seu nome e o nome do candidato em que ele votou. O ato durou até 1916.
Anos de 1900
1904 – A Lei Rosa e Silva promoveu o recadastramento de todos os eleitores do Brasil quando juntou o alistamento dos cidadãos para as eleições federais, estaduais e municipais. O voto cumulativo tornou-se permitido, em que o eleitor poderia votar mais de uma vez no mesmo candidato. Além disso, cada eleitor poderia levar para casa um comprovante rubricado pelo mesário que comprovava em quem ele votou.
1914 – Um relatório do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio em 1914, informava que o Brasil tinha, em 1905, 790 mil eleitores (4% da população total). No entanto, cerca de sete anos depois, o mesmo relatório mostrou que o país subiu apenas em um por cento nos números de eleitores.
1927 -Os governos estaduais definiam as próprias leis eleitorais, por isso, no Rio Grande do Norte os legisladores decidiram que todos os cidadãos (sem distinção de sexo) poderiam votar e, também, serem eleitos. Na cidade de Mossoró, a professora Celina Guimarães Viana requisita o título de eleitor e se torna a primeira mulher a votar na história do Brasil. Contudo, somente em 1932, o voto feminino é oficializado em todo o país.
1932 – O primeiro Código Eleitoral estabelece o sistema misto para a Câmara, com parte das cadeiras preenchidas com o voto majoritário, e parte proporcional. O voto se torna secreto (com exceção de militares e maiores de 60 anos) e obrigatório, sendo feito na cabine de votação. Pela primeira vez, a foto do cidadão faz parte do título de eleitor.
1934 – A nova Constituição de 1934, previa que a idade mínima para se tornar um eleitor era 18 anos. Além disso, o voto passaria a ser obrigatório para os homens.
1937 – Com a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas (até 1945) as eleições ficam suspensas.
1946 – A Constituição de 1946 permitiu que os eleitores votassem em partidos diferentes para os cargos de presidente e de vice-presidente da República. O mandato passou para cinco anos. A reeleição não era permitida. Os deputados passaram a ser eleitos pelo sistema proporcional (mandato de quatro anos) e os senadores pelo princípio majoritário (mandato de oito anos). O sistema perdura até hoje.
1955 – Essa é a primeira vez que foi estabelecido o uso de uma cédula oficial (da Justiça Eleitoral) em que o eleitor escreve o nome do candidato ou marca o nome dele como um “X” levando a cédula para encartar.
1956 – Começa manualmente o primeiro recadastramento eleitoral em todo o país, que dura até o ano seguinte.
Regime Militar
1965 – Com o regime militar, um novo Código Eleitoral é promulgado. Agora, as mulheres são obrigadas a votar. Além disso, aqueles que faltam nas eleições sem justificar são multados (ficam impedidos de se inscrever em concurso público, fazer empréstimos bancários, e outros).
1966 – Os governadores passam a ser escolhidos pelas Assembleias Legislativas e os prefeitos são nomeados pelos governadores. O bipartidarismo passa a valer e dura até 1978. Os partidos são Aliança Renovadora Nacional e Movimento Democrático Brasileiro.
1982 – As eleições para o governo voltam a ser diretas. Além disso, a população deve votar em um único partido para todos os cargos disponíveis. O ato ficou conhecido como “voto vinculado”.
1984 – Em todo o país a campanha pelas “Diretas Já” (para presidente) começa. Uma emenda pedindo a votação direta para presidente da República também começa a tramitar no Congresso. No entanto, é rejeitada no mesmo ano.
1985 – Pela primeira vez, os analfabetos possuem o direito ao voto. Ao mesmo tempo, Tancredo Neves é eleito no voto indireto, mas morre antes de assumir o mandato. Seu vice, José Sarney toma posse. O Congresso aprova uma emenda para restituir o voto direto para presidentes e prefeitos.
Redemocratização
1986 -É feito um recadastramento eleitoral para informatizar os dados dos eleitores. Assim, um novo título de eleitor (sem foto) é emitido.
1988 – Jovens de 16 e 17 anos têm a opção de votar (facultativo). Além disso, o sistema de maioria absoluta de votos nos dois turnos para a escolha de presidente, governador e prefeito é adotada. Agora, presidente e vice têm de ser de chapa única.
1994 – Uma Emenda Constitucional diminui de cinco para quatro anos o mandato do presidente da República. Fernando Henrique Cardoso (PSDB) é eleito presidente no primeiro turno.
1996 – A urna eletrônica é desenvolvida pela Justiça Eleitoral para “acabar” com as fraudes que ocorriam frequentemente com o uso das cédulas de papel.
1997 – É criada uma Lei Eleitoral com regras para os poderes Executivo e Legislativo. Uma Emenda Constitucional permite a reeleição dos chefes do Executivo.
2000 – Pela primeira vez, todos os eleitores do país, em todos os municípios votam através da urna eletrônica.
Créditos: Revista Oeste.