Lançado em 2019, o programa do “Novo Rio Pinheiros” foi uma das principais bandeiras políticas do ex-governador João Doria. O projeto contou com um investimento de R$ 3 bilhões para realizar a coleta de esgoto, a despoluição e o desassoreamento do leito (processo de limpeza que remove resíduos e sedimentos acumulados no fundo dos rios), além da construção de Unidades de Renovação da água — estações que fazem o tratamento dos afluentes diretamente nos córregos da região.
Depois de décadas de promessas não cumpridas, enfim um projeto prometeu devolver aos paulistanos um “novo” Pinheiros. Três anos depois, com 94% da obra completa, o resultado está longe de ser comemorado. O espaço, que já serviu como local de encontro para a prática de natação e transporte de cargas, continua exalando cheiro desagradável em vários pontos, e, segundo a bióloga Marta Marcondes, “a obra não surtiu efeito esperado na qualidade da água do rio”.
Durante o processo de tratamento da água, na bacia do Rio Pinheiros, foram identificados 532 mil pontos onde o esgoto era lançado em 24 afluentes, sem tratamento. Os dados são da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente.
Uma das grandes vitórias do projeto foi conectar mais de 540 mil imóveis à rede de esgoto. “Construímos ao lado de cada afluente uma rede coletora ligada às residências, aos pequenos comércios e às pequenas indústrias locais, fazendo com que aquele material não polua a água”, explica o engenheiro e secretário de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo, Marcos Penido.
O engenheiro esclarece que o esgoto chega a um duto que passa às margens do Pinheiros e vai até a estação de tratamento de Barueri, na zona oeste de São Paulo. Desde 2020, já foram recolhidos 737 mil metros cúbicos de sedimento, o equivalente a 235 mil caçambas de lixo convencionais.
“A qualidade da água ainda não melhorou”
Ao todo, 40 empresas participaram do programa Novo Rio Pinheiros. Dentre elas, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) foi contratada para realizar o monitoramento da qualidade da água e a verificação e análise dos sedimentos presentes no Pinheiros.
Em janeiro, dos 13 pontos de monitoramento, 11 tiveram valores satisfatórios da Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO), um dos parâmetros mais importantes para avaliar a situação de um rio, por determinar a possibilidade de existência, ou não, de vida aquática. A DBO corresponde à quantidade de oxigênio consumida por microrganismos presentes em uma certa amostra. Como esses microrganismos fazem a decomposição de material orgânico na água, medir a quantidade de oxigênio é uma forma efetiva de analisar o nível de poluição existente nesse meio.
Dados divulgados pela Secretaria do governo do Estado mostram que as coletas da Cetesb apresentaram um resultado abaixo de 30 mg/l, uma quantidade mínima para que a água não apresente odor, melhore a turbidez (redução da sua transparência devido à presença de materiais incomuns) e permita a existência de vida aquática.
No entanto, de acordo com a bióloga Marta Marcondes, que coordena o projeto “Volta Pinheiros”, a qualidade da água apresenta melhora nas análises do governo estadual porque é lançado oxigênio no leito, o que ajuda a “mascarar” a realidade. “É como uma pessoa que sobrevive na UTI”.
Em conjunto com a Universidade de São Caetano do Sul e com o Índice de Poluentes Hídricos, a especialista e sua equipe coletaram, em maio deste ano, amostras do Pinheiros para analisar a DBO da água. Ao contrário do que foi divulgado pelo governo, os resultados não foram satisfatórios.
“O que eles dizem é que está abaixo de 30 ml/l”, afirma Marta. “Monitoramos e sabemos que essa não é a realidade. A DBO, em alguns pontos, chega a superar a marca de 70 mg/l e 90 mg/l”. As amostras do “Volta Pinheiros” foram coletadas na superfície e no fundo do meio do curso d’água. Toda a metodologia aplicada pelo projeto é idêntica à adotada pela Cetesb.
Segundo a bióloga, a água do rio Pinheiros ainda conta com uma quantidade significativa de microrganismos causadores de doenças e produtos químicos que acabam sendo despejados na água. Ela alerta que esses materiais podem causar problemas quando os moradores entram em contato com a água, principalmente em épocas de cheia — o rio Pinheiros forma uma bacia com 25 quilômetros quadrados de extensão, onde existem mais de 500 mil imóveis e vivem cerca de 3 milhões de pessoas.
“O cheiro ainda continua”
Rodrigo Issamu Teodoro Kuguyama, 30 anos, corre com frequência pela ciclofaixa do Parque Bruno Covas durante o período da tarde. Além de prometer a melhora na qualidade da água, o projeto Novo Rio Pinheiros revitalizou 17 quilômetros para além da margem do rio. “A pista melhorou, antes era bem vazio”, diz Kuguyama, sobre a pista recém-reformada. “Mas em relação ao rio ele ainda está realmente sujo”, afirma. “Percebo o trabalho do tratamento da água, mas nunca vi uma melhora significativa”.
Apesar de perceber avanços, o assíduo frequentador do parque garante que o cheiro de esgoto ainda está presente. “Intensifica perto da estação de tratamento da Vila Olímpia, mas na altura da entrada do parque é sempre a mesma coisa. Focaram mais na infraestrutura da pista mesmo”, disse.
Segundo a pesquisadora Marta Marcondes, o odor continua, mas não é insuportável como era antes. Em contrapartida, o secretário Marcos Penido defende que o problema é pontual e é mais perceptível nas áreas próximas às moradias irregulares, que não permitiram a implantação do coletor de esgoto.
“Alguns pontos do rio ainda recebem esgoto da comunidade. As pessoas que estão reclamando do odor precisam saber que se trata de algo extremamente pontual”, afirma o engenheiro. “Realizamos uma pesquisa, inclusive com as pessoas que moram ou trabalham ali do lado do rio, para saber sobre o cheiro.”
Revitalização e novo complexo de restaurantes e lojas
A iniciativa privada também abraçou o projeto. Além do Parque Bruno Covas, que recebe mais de 200 mil visitantes por mês, a extensão da ciclovia Franco Montoro ganhou o Ciclo Beach Tennis, área de lazer que conta com duas quadras de areia para prática do esporte. O espaço funciona de segunda a sexta-feira, das 7h às 15h, e de sábado, domingo e feriados das 8h às 16h.
A modernização da região próxima ao Rio Pinheiros também engloba a futura Usina SP, que vai transformar a Usina Elevatória de Traição, que reverte o curso das águas dos rios Tietê e Pinheiros para o Reservatório Billings, em um complexo de restaurantes, lojas nacionais e internacionais, cafés, academia e escritórios. O projeto foi idealizado por diversas empresas, entre elas a incorporadora JHSF, que trabalhou nas construções do shopping Cidade Jardim e da Fazenda Boa Vista, no interior de São Paulo.
As novidades, no entanto, não agradam a todos. “É um projeto importante. Mas precisamos de um rio limpo e não de restaurantes e estabelecimentos comerciais”, defende a bióloga Marta Marcondes. Já para o coordenador do projeto Novo Pinheiros, a iniciativa valoriza a região. “Com o rio limpo, isso vira um atrativo, as pessoas frequentam”, afirma Marcos Penido.
Créditos: Revista Oeste.