A incessante crise na Venezuela já fez com que milhares de pessoas deixassem o país e fossem em busca de um novo destino para terem melhores condições de vida. Segundo a Agência da ONU para refugiados (Acnur), existem mais de 5,4 milhões de refugiados e migrantes venezuelanos ao redor do mundo. Esse problema não é novo, é algo que acompanha o país há tempos.
Em entrevista ao programa Direto ao Ponto, a embaixadora da Venezuela no Brasil, María Teresa Belandria, afirmou que acontece desde 1999, quando Hugo Chávez chegou ao poder. “A situação do país é muito difícil porque não foi produto de um terremoto, furacão ou tsunami. Foi produto de uma situação política que começou com Chávez”, disse. Ela acrescentou que, quando o esquerdista chegou ao poder, a democracia da Venezuela, “um farol de luz, a maior da América Latina em 1958”, acabou.
A embaixadora diz que a crise decorre do controle estatal e divide o cenário caótico do país em duas partes: o governo de Chávez e o de Maduro. “Chávez foi um governante autoritário que começou a virar quase um ditador. Mas a partir de 2012, quando Nicolás Maduro assume, vira uma ditadura”, ilustra Belandria.
O professor do departamento de ciência política da Universidade de São Paulo (USP), Rafael Villa, que também é venezuelano, diz que entre 2015 a 2021 houve uma forte hiperinflação, desvalorização imensa da moeda nacional e perda do poder aquisitivo, em que profissionais qualificados não ganhavam mais de cinco dólares por mês. O que para Elaini Silva, pesquisadora do Núcleo Direito e Democracia do Cebrap e advogada em São Paulo, fez com aumentasse a imigração devido ao agravamento da situação econômica vivida pelo país.
“Houve uma altíssima dependência da economia nacional do petróleo e um bloqueio econômico imposto inicialmente pelos EUA ao país e parte de seus nacionais”, pontua Silva. Villa lembra que nessa época também havia restrição da alimentação porque escasseava os produtos. A advogada complementa dizendo que “com a queda das condições de vida da população mais pobre, que se refletia até no peso das pessoas, muitos passaram a buscar oportunidades em países vizinhos”. Países sul-americanos, centro-americanos e os Estados Unidos começaram a receber dezenas, centenas, milhares de venezuelanos.
O coordenador de pós-graduação em relações institucionais e governamentais do Mackenzie, Márcio Coimbra, associa a crise à falta de liberdade política, que acarretou problemas econômicos. Ele explica que ao ter uma “degradação da situação econômica do país”, a imigração se torna uma das únicas soluções. A embaixadora María Teresa Belandria destacou este problema durante a entrevista ao Direto ao Ponto. A situação, segundo ela, começou a piorar em 2002, mas foi em 2007 “o ponto de quebra total”. Naquele ano, o governo fechou a RCTV, uma rede de televisão privada da Venezuela, “levando junto a liberdade de expressão”. Em busca de uma condição melhor, para fugir do país, muitos venezuelanos têm arriscado a vida no Estreito de Darién, um das rotas de fuga mais perigosas do mundo. De acordo com dados do Departamento de Estatísticas do Governo do Panamá, quase 30 mil venezuelanos passaram de maneira irregular pela região entre janeiro e junho. Número bem acima do que tinha sido registrado em 2021, quando houve registro de 2.819 no ano inteiro.
Rafael Villa afirma que as pessoas que escolhem esse trajeto “são migrantes que não tem documentos completos para mostrar uma potencial residência permanente”. Aqueles que chegam geralmente conseguem entrar porque “a presença da força do Estado, política, exercito, autoridade migratória é menor”, diz o professor. Contudo, os venezuelanos enfrentam outros riscos, como: longos dias de caminhadas, guerrilhas e grupos criminosos. O que faz com que seja necessário realizar o trajeto de forma rápida, para evitar que a água e os alimentos acabem, além de estarem expostos ao perigo. Para ele, muitas pessoas optam por esse caminho pela falta de conhecimento das condições adversas. “Essa rota é conhecida por ser utilizada por migrantes de várias nacionalidades na sua tentativa de chegar por um caminho seco aos EUA, sem ter pela frente os perigos do oceano ou as burocracias dos ares”, acrescenta Eliani.
Apesar da diminuição da hiperinflação e a estabilização da moeda quando comparado ao dólar, muitos venezuelanos continuam deixando o país. Para os especialistas, uma forma de reduzir esse fluxo migratório está associado à mudança na política do país. Márcio Coimbra aponta que é necessário “terminar com um governo autoritário e totalitário”. É urgente, na visão do especialista, derrubar o regime de Maduro antes que o país se torne uma nova Cuba na América Latina. “A Venezuela arrisca virar Cuba se não derrubar o governo autoritário e totalitário”. Para Coimbra, somente a queda do atual presidente pode fazer com que as pessoas fiquem por lá e aquelas que saíram regressem. Villa concorda e diz que, para recuperar o país, existem três pontos centrais. O primeiro? A exportação petroleira, da qual o país é dependente. “É necessária uma recuperação nesta área. A redução das sanções econômicas e que o estrangeiro volte a olhar para lá”, aponta. O segundo tem relação com a “estabilização da economia e queda da inflação”. Ainda que tenha caído, a inflação venezuelana continua sendo a mais alta da América Latina.
O terceiro é, quando conseguir melhor a economia, torna-se possível ter melhoria nas condições salariais, ingressos de profissionais e dos setores mais carentes da Venezuela. Para o venezuelano expatriado, enquanto não o país não proporcionar “um salário mais digno para sobreviver”, continuará a ter pessoas querendo sair do país em procura de melhores condições de vida. Elaini aponta que as mudanças também deve partir da comunidade internacional. Ela diz que “os embargos impostos ao país é uma condição de partida para poder haver uma retomada de se pensar a economia local”. “Agora, da parte do próprio país, é inescapável, nos campos econômicos e sociais, pensar um plano de desenvolvimento que diminua sua dependência do petróleo”, acrescenta. Já no político, diz ela, a Venzuela precisa “encontrar o equilíbrio entre o respeito e a autodeterminação soberana de cada povo, a não intervenção em seus assuntos internos e o estabelecimento de padrões mínimos de direitos civis”.
Créditos: Jovem Pan.