Existem muitas maneiras de se medir a influência intelectual de uma figura pública. No campo da educação, uma delas é olhar para os nomes escolhidos para batizar as escolas país afora.
Por este critério, ninguém ultrapassa Paulo Freire, autor de Pedagogia do Oprimido e ícone da esquerda universitária tanto quanto anátema entre os conservadores, que enxergam nele boa parte da responsabilidade pela baixa qualidade da educação no Brasil.
Em um levantamento exclusivo feito pela Gazeta do Povo na base de dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), o autor de Pedagogia do Oprimido surge em primeiro lugar entre 60 figuras históricas brasileiras. São 346 escolas com o nome de Freire – uma a mais do que as 345 batizadas como Rui Barbosa. A pesquisa levou em conta grafias alternativas como “Ruy Barbosa” e variações como “Paulo Reglus Neves Freire”, nome completo do primeiro colocado.
A lista dos dez nomes mais comuns também inclui Tancredo Neves (322 escolas), Monteiro Lobato (319), Tiradentes (276), Getúlio Vargas (232), Dom Pedro I (174), Dom Pedro II (165), Santos Dumont (147) e Cecília Meireles (145).
Como a base de dados inclui escolas municipais e estaduais, a escolha se dá por formas variadas: decisão da prefeitura, votação da Câmara de Vereadores ou deliberação da comunidade escolar. Ou seja: a profusão de escolas com o nome de Paulo Freire não resulta da imposição de um órgão centralizado, como o Ministério da Educação. É, em vez disto, um sinal de quão influente o pedagogo se tornou no establishment educacional do país.
A liderança de Freire é ainda mais impressionante porque ele morreu em 1997, há muito menos tempo do que os outros nomes no topo da lista. Rui Barbosa, por exemplo, morreu em 1923. Como a regra é homenagear apenas aqueles já falecidos (embora haja exceções), houve bem menos tempo para homenagear Freire do que Monteiro Lobato, Dom Pedro II ou Santos Dumont.
Bolsonaro, Lula e guerrilheiros
Outros nomes, menos cotados, também são reveladores. O Brasil tem onze escolas públicas batizadas com o nome do guerrilheiro comunista Ernesto Che Guevara (11), muito mais do que o ex-presidente Itamar Franco (6) e o escritor José Lins do Rego (7). O guerrilheiro Carlos Marighella foi o homenageado em quatro escolas. Olga Benario (18) é mais popular do que Tom Jobim (14).
Em uma lista repleta de políticos, uma presença curiosa é a de Ayrton Senna (70), que aparece à frente de Deodoro da Fonseca (52), Zumbi dos Palmares (41) e Floriano Peixoto (40).
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é nome de seis escolas. A ex-primeira-dama Marisa Letícia, que morreu em 2017, dá nome a quatro. Dona Lindu, mãe de Lula, a duas.
O presidente Jair Bolsonaro não é nome de escola, mas o pai dele sim: inaugurada em 2018, uma unidade de ensino gerenciada pela Polícia Militar em Duque de Caxias (RJ) recebeu o nome de Percy Geraldo Bolsonaro.
Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Fernando Collor têm, cada um, uma escola com o seu nome. Dilma Rousseff e Michel Temer não aparecem na lista.
Dentre os vivos, ninguém supera José Sarney, são: 42 unidades de ensino, das quais 32 estão no Maranhão. Aliás, o sobrenome Sarney aparece em 95 escolas do país (83 delas no Maranhão). A maior parte homenageia pessoas em vida, como Roseana Sarney (filha do ex-presidente) e Marly Sarney (a esposa dele).
Opção ideológica
Para Jean-Marie Lambert, professor aposentado da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Goiás, a popularidade de Paulo Freire tem mais a ver com as inclinações ideológicas dele do que com a originalidade de seu trabalho. “O Paulo Freire, chamado de pai da educação brasileira, na realidade é o pai da colonização educacional brasileira. Ele simplesmente importou uma forma de pensar a educação concebida pelo John Dewey, um autor marxista americano”, afirma ele.
Isso também explicaria por que Freire é tão popular nos Estados Unidos, onde ele é um dos autores mais citados em trabalhos acadêmicos na área da Pedagogia. Lambert diz que Freire foi hábil em “pegar carona” nas correntes progressistas americanas. “Quando você fala o que eles querem ouvir, ganha a admiração deles”, afirma.
Recentemente, a Gazeta do Povo mostrou que Lucas do Rio Verde (MT), cidade com cerca de 100.000 habitantes que é uma das capitais do agronegócio no Brasil, moradores organizaram um abaixo-assinado para que o nome de Freire seja removido de uma escola municipal. A ideia é levar a proposta à Câmara de Vereadores quando a meta de 2.500 assinaturas for atingida.
Se a iniciativa for bem-sucedida, Paulo Freire dividirá o primeiro lugar do ranking de maiores homenageados das escolas brasileiras: ele passará a ter os mesmos 345 que Rui Barbosa. Organizador da iniciativa, o microempresário Gláuber Olive afirma que a mobilização já está rendendo frutos. “Vale a pena. Aqui na cidade não existe nenhuma escola com o nome de uma figura local. Precisamos começar a limpeza pelo nosso quintal”.