No último dia 10/7, o Brasil ficou estarrecido com vídeos que flagraram o anestesista Giovanni Quintella Bezerra, 31 anos, estuprando uma mulher que havia acabado de dar à luz em uma maternidade no Rio de Janeiro. O profissional de saúde acabou preso. Durante as investigações do caso, chamou a atenção o fato de o médico pedir para o acompanhante da grávida deixar a sala de cirurgia durante o procedimento. Embora a Lei Federal nº 11.108 garanta à mãe o direito de ter alguém de sua confiança no parto, a prática de expulsar pais no momento delicado é mais comum do que se imagina.
É o que mostra a pesquisa Dimensões da Violência Obstétrica no Distrito Federal, realizada pela Procuradoria Especial da Mulher da Câmara Legislativa em 2020. O levantamento apontou que 22% das mulheres que tiveram filhos naquele ano foram impedidas de ter um companheiro por perto no momento de ter a criança.
A analista de sistemas Keila Vieira, 30, passou pela situação constrangedora. A mulher chegou ao Hospital Regional de Samambaia (HRSam) em 20 de junho de 2021 e precisou despedir-se do marido ao entrar na sala de parto. A mulher conta que só pôde ver o parceiro quando foi levada ao quarto, cerca de nove horas depois.
“Desde que internei já me avisaram que eu ficaria só e não poderia ter acompanhante nenhum. Pediram para eu tirar toda a roupa e ficar apenas com o celular. Foi desespero para todo lado; eu do lado de dentro, e ele do lado de fora”, lembrou a moradora de Samambaia.
Sem querer se identificar, uma diarista de 32 anos relatou ao Metrópoles os momentos que transformaram seu parto em tensão. Preparada para a chegada do primogênito, ela deu entrada no Hospital do Gama (HRG), em julho de 2021, com a bolsa rompida. Ela havia planejado segurar a mão do marido, de 40 anos, até ouvir o primeiro choro do filho do casal. Na internação, no entanto, a gestante foi informada pela equipe médica de que deveria entrar sozinha na sala de triagem e indução, e o esposo não poderia acompanhá-la.
Sozinha e com a dilatação caminhando a passos lentos, a mulher achou que não conseguiria realizar o sonho do parto normal e pediu por uma cesariana. Após longas oito horas em indução, ela pôde ir para o centro cirúrgico, mas sem o companheiro.
“Todos os dias penso que se estivesse com meu marido teria conseguido fazer o parto normal. É um momento que precisamos de ajuda, precisamos de força, e eu não tinha ninguém. Na cesárea, também fiquei só e pedi a uma enfermeira, que me tratou muito bem, que segurasse minha mão”, lembrou.
A moradora do Gama deu à luz um menino grande e saudável, mas desde as primeiras horas de vida da criança ela não conseguiu amamentar. “Não me sentia bem. As enfermeiras me informaram que era normal e que passaria com o tempo, mas a tristeza tomou conta de mim. Não consegui me recuperar”. Depois de dois meses, a diarista foi a um psicólogo e recebeu o diagnóstico de depressão pós-parto.
A pesquisa Violência Institucional e Qualidade do Serviço em Obstetrícia Associadas à Depressão Pós-parto, realizada pela Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB), aponta que a presença de um acompanhante durante o parto é um fator de proteção contra a depressão após o nascimento do bebê. Segundo o estudo, a prevalência do distúrbio psicológico em gestantes sem acompanhantes é de 18,4%.
A análise associa a ocorrência de transtornos psiquiátricos no puerpério, dentre eles a depressão pós-parto, com elementos relacionados à sensação de abandono durante o parto, manejo inadequado da dor, frustração por ter dado à luz por cesariana quando o parto natural era possível, e a percepção da gestante sobre a equipe que prestou o cuidado.
Desde 2005, a Lei nº 11.108 garante à parturiente um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Além disso, o Distrito Federal conta com o Estatuto do Parto Humanizado, que assegura, desde 2015, a presença da doula no centro cirúrgico, independentemente de a gestante ter acompanhante ou não. Mesmo assim, essa não é a realidade das gestantes da capital do país.
Segundo a epidemiologista Daphne Rattner, presidente da Rede Pela Humanização do Parto e Nascimento (Rehuna), os serviços de saúde não se acostumaram a enxergar a mulher como sujeito de direito. “É preciso mudar a mentalidade e reconhecer que as gestantes têm direitos garantidos. Desrespeito à Lei do Acompanhante é uma forma de violência obstétrica, e precisamos lutar para que cada vez menos isso ocorra”, frisou.
De acordo com a pesquisa da UnB, entre as gestantes sem acompanhantes, houve queixas em relação a exame vaginal doloroso (6,9%), alívio inadequado da dor (6%), atendimento ruim (2,4%) e falta de comunicação e explicações do profissional quanto aos procedimentos em execução (3,6%). Uso de linguagem ofensiva por profissionais de saúde durante a assistência ao parto também foi pontuado.
Créditos: Metrópoles.