O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), absolveu um homem que foi condenado por furto baseado apenas em reconhecimento fotográfico, o que teria sido realizado em desconformidade com a legislação.
No caso, um homem havia sido condenado à pena de dois anos e oito meses de reclusão, em regime aberto. De acordo com o processo, uma testemunha disse ter visto o homem entrar em uma casa vizinha e sair com uma mochila, o que teria ocorrido em Lages (SC).
Dias depois, a mesma testemunha teve cinco oportunidades para tentar reconhecer, por foto, o possível autor do furto, ocasião em que foram mostradas imagens de pessoas que os investigadores tinham em seus álbuns. Porém, a testemunha não reconheceu nenhum com certeza, afirmando que tinham “alguns parecidos”.
Em outra ocasião, outra testemunha ouvida na investigação policial reconheceu “com absoluta certeza” o homem.
Segundo o ministro, a fotografia representa sempre um momento do passado. A ação foi apresentada pela Defensoria Pública da União.
“Luminosidade, ângulo, qualidade, resolução, impossibilidade ou imprecisão na aferição de altura e compleição física do sujeito objeto de reconhecimento são fatores que tornam o reconhecimento por fotografia extremamente frágil e inapto para amparar uma decisão condenatória”, disse.
O ministro citou também uma decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal que absolveu, em fevereiro deste ano, um homem condenado pelo crime de roubo tendo como prova apenas o reconhecimento fotográfico feito, inicialmente, por meio do aplicativo WhatsApp.
“A presunção de inocência impõe tanto um dever de tratamento quanto um dever de julgamento. O dever de tratamento exige que a pessoa acusada seja tratada, durante todo o curso da ação penal, como presumidamente inocente; por outro lado, o dever de julgamento significa que recai exclusivamente sobre o órgão de acusação o ônus de comprovar de maneira inequívoca a materialidade e a autoria do crime narrado na denúncia – e não sobre o acusado o ônus da demonstração de sua inocência”, afirmou.
Para Fachin, o próprio laudo datiloscópico realizado na fase policial revelou que a digital encontrada na janela da lateral esquerda do imóvel arrombado para a consumação do furto não pertence ao homem citado.
Ao fim da decisão, o magistrado citou o fenômeno das falsas memórias, que foi testado em um estudo recente.
“No experimento, participantes foram convidados a assistir a um vídeo de uma briga, simulando a condição de testemunhas oculares de um crime. Na sequência foram divididos em dois grupos: condição concordância, em que os participantes eram sugestionados com informações falsas pelos confederados e condição de controle, no qual os participantes passavam pelo experimento de forma integralmente individual, sem interferência externa”, explicou.
“Os resultados colhidos demonstraram distorções importantes no relato elaborado pelos participantes que havia, há poucos minutos, visto o vídeo da agressão, a corroborar a hipótese preliminar de suscetibilidade da memória humana a imprecisões, erros e influências, notadamente quando submetida a episódios traumáticos”, complementou.
Outros casos
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou quase 90 ações sobre o tema desde que a Sexta Turma, reformulando a jurisprudência até então predominante, que o artigo 226 do Código Penal invalida o reconhecimento do acusado feito na polícia, não podendo servir de base para a sua condenação, nem mesmo se for confirmado na fase judicial.
Em setembro de 2021, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca considerou o reconhecimento “questionável” e, na falta de outras provas que sustentassem a condenação, absolveu o réu – providência indicada pelo Ministério Público Federal (MPF).
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu, em setembro de 2021, um grupo de trabalho com o objetivo de propor nova regulamentação para o reconhecimento pessoal em processos penais.
Em janeiro, o CNJ lançou uma chamada pública para a seleção de artigos científicos sobre o tema, que serão publicados em coletânea digital e poderão subsidiar os estudos do grupo de trabalho.
Em março deste ano, o ministro Sebastião Reis Júnior, do Superior Tribunal de Justiça, determinou liminarmente o trancamento de duas ações penais contra um homem acusado de dois roubos ocorridos em 2013.
No caso concreto, o homem — que é acusado de homicídio — estava foragido no Paraguai na época dos supostos roubos. As denúncias adicionais eram baseadas em um reconhecimento fotográfico realizado em delegacia fora dos procedimentos descritos no Código de Processo Penal.
Créditos: CNN.