Aos 19 anos, Lorena Teles vive na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, uma das regiões mais pobres e violentas do país
(crédito: Arquivo Pessoal)
Estudando por conta própria, a estudante de São João do Meriti, na Baixada Fluminense (RJ) — uma das regiões mais pobres e violentas do país —, Lorena Drumond Teles, 19 anos, foi aprovada em nada menos que 32 faculdades dos Estados Unidos. Ela optou por cursar ciências da saúde na Stetson University, na Flórida, mas precisa de dinheiro para pagar moradia e alimentação. Esta será sua primeira viagem internacional. A única experiência com avião foi aos 10 anos, quando veio a Brasília para visitar parentes.
A estudante é carioca e vive no Rio de Janeiro desde os 5 anos. Antes, sua família morou em Minas Gerais e Goiás. “Minha infância foi tranquila, sempre fui uma criança curiosa e com agitação para fazer as coisas da maneira que achasse mais efetiva ou que funcionasse melhor pra mim”, diz.
Depois da morte do pai, o geólogo André Luiz Teles da Silva, em janeiro de 2019, a situação financeira da família ficou mais complicada. “Minha mãe se tornou pensionista do INSS e, apesar de receber um bom salário, por questões de saúde, nós temos certa dificuldade pra nos manter”, diz.
Lorena lembra que, ao receber as cartas informando sobre sua aprovação, a primeira sensação foi de descrença. “O processo de aplicação é bem imprevisível. Por isso, fiquei surpresa por ter sido aprovada, mas, depois, me senti muito feliz”, diz.
A trajetória da estudante rumo à vida acadêmica, no entanto, não foi nada fácil. Segundo ela, foi preciso se dedicar intensivamente ao processo, sempre estudando sozinha, pela internet. “Não fui aprovada fazendo nenhum curso preparatório e, por isso, tive que contar com o auxílio da internet e também de algumas amizades”, conta.
Sobre sua metodologia de estudo, diz que o principal é manter a calma. “Procuro selecionar as matérias e necessidades acadêmicas que precisam ser resolvidas com mais urgência ou por nível de dificuldade, com o objetivo de não sobrecarregar o meu cérebro, uma vez que, na minha experiência como estudante, não adianta estudar muitas horas a fio”, diz. “Aliado a isso, nos períodos de maior fluxo de atividades, uso a técnica de pomodoro, que é uma tática de gerenciamento de tempo, onde eu realizo as minhas atividades em períodos de 25 em 25 minutos, com intervalos curtos para manter a rotina efetiva.”
Tainah Silva Galdino, 45, professora de biologia molecular, afirma que Lorena sempre se diferenciou pela curiosidade e vontade de aprender. “Ela é muito perspicaz, inteligente, com um interesse imenso por todas as áreas. Mesmo se destacando, ela sempre foi solidária com os colegas”, diz.
Para a professora, a história de Lorena serve como inspiração para diversos alunos que também sonham em estudar fora. “A conquista dela mostra que estudar no exterior não é um sonho distante, que é possível, sim, se tornar realidade, contanto que haja uma educação de qualidade”, conta.
Flávio Paixão, 43, destaca que Lorena é uma menina muito atenciosa, gentil e solícita. “Para além da inteligência, a Lorena sempre olhava para o lado, no sentido de acolher o colega que estava precisando. Esse olhar mais solidário de que a felicidade é coletiva é uma coisa que me chamou atenção nela”, explica.
Sempre apoiada pela família, ela destaca que recebeu dos pais todo apoio e incentivo necessários. Lembra, ainda, que a morte do pai, durante o processo de preparação para tentar uma vaga no exterior, a levou a enfrentar picos de depressão e ansiedade.
Além da saúde mental comprometida, relata, veio junto as dificuldades financeiras, se vendo obrigada a abdicar de várias coisas para arcar com os altos custos dos testes preparatórios para as universidades. Na Stetson University, na Flórida, a estudante obteve ela uma bolsa anual de US$ 45 mil, mas o dinheiro é repassado automaticamente à instituição e não cobre os custos de alimentação e moradia.
Para solucionar esse impasse, lançou a vaquinha virtual (por meio do pix [email protected]), com a campanha “Cada Real Conta”. Com a ajuda recebida, a estudante conseguiu parcelar parte de uma das parcelas, mas ainda não chegou nem a 5% dos R$ 120 mil necessários para embarcar para os Estados Unidos em 7 de agosto.
Lorena concluiu o ensino fundamental como bolsista e, no ensino médio, estudou na Escola Politécnica Federal Joaquim Venâncio, da Fiocruz, em ensino integral, onde se formou em biotecnologia. Cursou, ainda, inglês por seis anos como bolsista.
A jovem conta que optou por ciências da saúde porque pretende se especializar em pesquisas clínicas relacionadas à cura do Alzheimer, uma vez que avó foi diagnosticada com a doença. “Acredito que, estudando essa área, eu possa dar conforto de vida não só às pessoas que sofrem dessa doença, mas também às que estão imersas nessa rede de apoio”, defende.
Em 2021, já com o domínio da língua inglesa, Lorena criou o projeto beneficente, E4E — English for Everyone (inglês para todos), passando a dar aulas de inglês gratuitamente, com intuito de oferecer suporte acadêmico para a capacitação de jovens e adultos.
Lorena mora, atualmente, com a mãe, que é fisioterapeuta ocupacional aposentada e a irmã de 13 anos, em Coelho da Rocha, distrito do município de São João de Meriti. “Coelho da Rocha é um bairro legal para viver, se ignorarmos a falta de acesso a saúde, um dos grandes problemas que enfrentamos”, afirma. Depois do falecimento do pai, que era geólogo, ela afirma que a situação em casa ficou mais complicada.
Ela afirma que as expectativas para estudar nos EUA são as melhores e revela que, desde que soube da aprovação, há pouco mais de quatro meses, sua visão de mundo tem sido outra. “Essa conquista significa muito para mim. Mudou não só a minha vida, mas a de outros jovens que se sentiram inspirados”, diz. Lorena espera ter, agora, outra visão da educação, estudando em um país que valorize os estudos e a ciência.