A Controladoria-Geral do Distrito Federal (CGDF) recomendou à Secretaria de Administração Penitenciária (Seape) o fechamento das cantinas que funcionam nas prisões do DF. O órgão de controle interno do governo distrital aponta que, por culpa desses estabelecimentos, os detentos compram produtos superfaturados e investem parte do dinheiro que entra no Complexo Penitenciário da Papuda – sob pretexto de ser gasto nas cantinas – em atividades ilícitas. Além disso, alguns internos seriam extorquidos por causa de lanches e outras mercadorias comercializadas no local.
A recomendação da CGDF foi feita no Relatório de Auditoria nº 11/2022, assinado em abril de 2022 e publicado na quinta-feira (30/6). As cantinas do DF são administradas pela Seape e gerenciadas pelos próprios apenados, batizados de “cantineiros”. Eles assumem a venda dos produtos, o controle do estoque e a elaboração de lanches – tudo isso em regime de escala. Os cantineiros diminuem um dia de pena a cada três dias de trabalho.
Na Decisão nº 4/2021, os servidores da CGDF atestam: “Existem relatos de comércio ilegal, em que um ou poucos custodiados compram grande parte do estoque de determinado produto e passam a revendê-lo aos demais internos por preços exorbitantes”. De acordo com o documento, assinalado em 3 de maio de 2021, os presos revendiam diversos itens, como creme dental, sabonete e canetas, por R$ 50, R$ 10 e até R$ 100, respectivamente.
Por causa das cantinas, os encarcerados têm direito a receber uma determinada quantia dos familiares – o montante depende do regime de visitas. Por exemplo: se um interno tem visitas semanais, ele pode ganhar R$ 100 de parentes em cada encontro; se o intervalo for de 14 dias, o valor sobe para R$ 150. O dinheiro deve ser investido na aquisição de produtos ofertados na cantina, não podendo ser utilizado para outros fins. Mas, na prática, não é o que ocorre.
“Em levantamento feito em 2020, verificou-se que, na Penitenciária do Distrito Federal II [PDF II], apenas 37,4% dos valores que entraram na penitenciária foram efetivamente gastos nas cantinas da unidade”, informa a Seape na decisão.
“Em operações realizadas na PDF II e na PDF I, foram apreendidas vultosas quantias de dinheiro com custodiados e também com visitantes na saída da penitenciária, sendo que, na operação ocorrida na PDF I, foi auferida a quantia total de R$ 13.245,00”, informa a pasta. Ainda segundo o relatório da Seape, isso significa que o dinheiro é gasto em atividades ilícitas, como tráfico de drogas, extorsão e prostituição.
Em maio de 2022, o Metrópoles revelou um mercado paralelo do sexo na Papuda que envolvia mães, irmãs e avós de presos. As abordagens estavam diretamente ligadas às cantinas, pois os criminosos poderosos ofereciam mercadorias para colocar outros internos em dívida. Em seguida, eles pediam que esse débito fosse quitado com relações sexuais com as parentes do devedor.
“Os próprios cantineiros podem ser vítimas de crimes, como ameaças, lesões e extorsão”, registra a pasta. No fim de 2019 e início de 2020, uma cantina da PDF II ficou fechada porque nenhum preso quis virar cantineiro. O motivo: existiria um “pedágio’ para fazer o trabalho. Ou seja: uma quantia que deveria ser paga. Além disso, pedia-se “conivência com práticas criminosas”.
Problema antigo
A existência de estabelecimentos comerciais em unidades prisionais é inconstitucional, conforme consta no artigo 173 da Carta Magna: “Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”. Entretanto, a existência desses locais remonta à criação dos presídios na construção da capital.
Na década de 1960, um grupo de servidores do então denominado Núcleo de Custódia de Brasília criou a primeira cantina numa detenção do DF. À época, a unidade era localizada no Núcleo Bandeirante, e a cantina foi edificada numa estrutura de madeira. A informação encontra-se em outro processo movido pela Controladoria-Geral sobre as cantinas, mas este de 2013. A investigação feita pela CGDF nove anos atrás constatou alguns dos problemas que perduram até os dias atuais.
O órgão enviou as conclusões ao Tribunal de Contas do DF (TCDF), que recomendou o fechamento dos estabelecimentos à Secretaria de Segurança Pública (SSP), responsável pela Papuda na época, já que a Seape foi criada apenas em maio de 2020. A SSP chegou a decretar o fechamento das cantinas em 2017, mas a Vara de Execuções Penais (VEP) pediu que um grupo de trabalho fosse criado para implementar as mudanças de forma gradativa.
O grupo de trabalho foi instituído no dia 28 de junho de 2021, pela Seape, conforme portaria publicada no Diário Oficial do DF (DODF). Em 10 de maio deste ano, a reportagem questionou a pasta sobre as propostas do grupo e um cronograma para fechamento das cantinas – no entanto, a secretaria respondeu que se tratava de “assunto sigiloso”.
A reportagem questionou a pasta mais uma vez para comentar a existência de desvios de dinheiro, extorsão e superfaturamento apontados pela CGDF, mas até a última atualização deste texto não havia obtido resposta. O espaço segue aberto para manifestações futuras.
Créditos: Metrópoles.